O futebol continua
a liderar a tabela dos mais vistos na televisão portuguesa. As polémicas desportivas continuam a colar os espetadores
ao ecrã, independentemente das ‘peixeiradas’. A onda de
demissões no Sporting apanhou José de Pina, comentador do Prolongamento, da
TVI24, e pôs os programas de debates futebolísticos debaixo de fogo. Depois de
um momento muito tenso com Pedro Guerra, comentador afeto ao Benfica no
programa, o professor universitário decidiu, esta semana, abandonar o formato.
Um episódio que veio adensar ainda mais a discussão sobre este tipo de
programas e o facto de incitarem ou não à violência no desporto. Apesar de os
formatos de debate futebolístico nos canais não serem novidade, atingiram
recentemente elevados níveis de trocas de insultos e discussões, que, em alguns
dos casos, envolveram tudo menos futebol
Para José de Pina,
a «gota de água» foi ter Pedro Guerra a levantar-se e a encostar-lhe a mão,
enquanto dizia «diga isso outra vez, estou a avisá-lo». «Quem vê o programa
sabe bem que havia um histórico no programa. Eu fui levando as coisas, mas há
sítios para onde fui levado e para onde não quero ir», aproveitou para esclarecer
José de Pina.
A verdade é que,
depois da invasão da academia de Alcochete, a discussão em torno da violência
no futebol adensou-se e multiplicaram-se também as críticas ao que se passa em
alguns destes programas. Mas afinal temos ou não programas que falem de
futebol, só de futebol e nada mais que futebol? Muitos acreditam que não.
Há, aliás, cada
vez mais exemplos de momentos mais tensos em canais de televisão e até de
discussões que levaram a saídas em direto.
Há pouco mais de
um mês, durante uma conferência sobre a violência no desporto, Bruno de
Carvalho lançava, aliás, gasolina nesta fogueira. «Apontam muito o dedo aos
clubes. Os clubes estão a ser o único garante que o futebol ainda tenha
adeptos, as pessoas estão cada vez mais agarradas aos clubes e menos agarradas
ao fenómeno desportivo», afirmou, deixando claro que «um dos problemas são os
programas desportivos que trazem o lixo tóxico».
No caso do
Prolongamento, da TVI24, o moderador, Joaquim Sousa Martins, viu-se obrigado a
lamentar a linguagem e as ameaças físicas e chegou a admitir pôr termo ao
programa. O jornalista pediu, em direto, aos membros do painel para se
dirigirem à direção de informação para acabar com as queixas e trocas de
insultos. Para Sousa Martins, a linguagem utilizada pelos participantes é
indigna de ser passada na televisão e, como telespetador, admite que não veria
um programa com tanta «indecência».
Já em fevereiro
deste ano, Sousa Martins foi obrigado a acabar o programa mais cedo, depois de
uma discussão entre Pedro Guerra e Manuel Serrão. O histórico é, aliás,
polémico.
Em 2015, por
exemplo, Eduardo Barroso abandonou o programa em direto. O comentador ligado ao
Sporting disse que se sentia incapaz de tolerar a presença de Pedro Guerra. «Ia
para este programa para debater com adversários amigos e, às vezes, aconteciam
algumas picardias. Mas a minha dignidade não me permite sentar nesta cadeira à
frente de pessoas como a do interlocutor do Benfica. Faço-o em nome do respeito
por mim próprio, pelos meus amigos, familiares e até doentes», explicou na
altura.
Mas os exemplos
não são apenas do Prolongamento. Em 2010, também Rui Moreira abandonou a
transmissão do Trio d’Ataque, da RTP em direto, depois de António Pedro
Vasconcelos ter abordado a divulgação na internet de mais escutas relacionadas
com o processo Apito Dourado. Também no Mercado, em 2014, houve conflitos.
Jaime Antunes e Pedro Guerra envolveram-se numa acesa troca de palavras e Jaime
Antunes acabou por abandonar os estúdios da CMTV.
Canais defendem
formatos
Para muitos, a
incontinência verbal dos dirigentes clubísticos e os excessos dos comentadores
de televisão são os principais e maiores inimigos do futebol nacional. É o caso
de Cláudia Lopes que, no mês passado, admitiu o papel das audiências para a
existência dos polémicos programas de debate dedicados ao futebol. No entanto,
para a editora de desporto da TVI é importante perceber que esta opção tem por
base a falta de acesso às imagens dos jogos, exclusivos de canais por
assinatura que têm o exclusivo da transmissão dos jogos. «Por isso discutimos o
tal lance, porque é isso que prende as pessoas e é muito difícil de fugir».
Também Ricardo
Costa, diretor de informação da SIC, entende que «não faz sentido que esses
canais próprios se transformem em veículo único de comunicação das próprias
estruturas dos clubes». Já sobre as críticas que têm sido feitas a estes
programas de debates e à incitação à violência, Ricardo Costa diz ao SOL que
«os programas da SIC estão no ar há anos e não podem ser confundidos com os
outros. Não há a lógica de incitar o que quer que seja. Não faz sentido as
pessoas generalizarem. Vejam os programas e percebam que não se pode
generalizar».
Já Carlos
Rodrigues, diretor-executivo da CMTV, explica que, «no caso da CMTV, fazemos a
nossa própria autorregulação. Comentadores há que retirámos da antena da CMTV
ao considerarmos que se tinham ultrapassado determinados limites, e estamos
cientes de que fizemos bem ao retirá-los mesmo quando eles foram para a
concorrência. A resposta é não, não incitam à violência, e fazemos autorregulação
para nunca incitarem».
No caso da RTP,
Paulo Dentinho defende que «todos nós temos responsabilidade neste ambiente de
podridão. Continuamos a aceitar comportamentos que nunca devíamos ter aceitado
como agressões a jornalistas». No entanto, o diretor de informação do canal
público salienta também que «a RTP é o canal que dá menos espaço ao futebol. Se
alguém pode mudar alguma coisa é o serviço público, mas não se muda tudo de um
dia para o outro. Há aqui uma reflexão a fazer e é preciso acabar com este
ambiente pouco saudável».
O SOL tentou, sem
sucesso, entrar em contacto com a direção da TVI, sendo esta última uma das
mais visadas na polémica que tem estado a envolver estes formatos por causa dos
incidentes no programa Prolongamento.
Audiências a
quanto obrigam
A verdade é que
desde 1994 que existem programas televisivos que dão voz a adeptos mais conhecidos,
mas nunca os ânimos estiveram tão exaltados. E, no meio de tudo isto, muito
importa perceber as audiências destes formatos. A tecnologia tem alterado o
consumo de TV, mas ainda somos um país de futebol. A prova disso é a aposta
generalizada dos principais canais de televisão em programas com debates
desportivos.
Só a TVI 24 conta,
por exemplo, com o Prolongamento e com o Mais Transferências, programas que têm
resultados superiores à média do canal. De acordo com os dados da GfK, o share
médio anual deste canal é de 1,6%, com um número médio de espetadores na ordem
dos 32 100. Mas analisando os resultados programa a programa, tendo por base as
audiências médias deste ano, os números mudam o cenário e explicam a aposta que
é feita neste tipo de formato.
Só o Prolongamento
apresenta um share de 3,0%. Ou seja, em cada 100 pessoas que viram televisão na
hora em questão, 3,0% estava a acompanhar este programa. Os dados mostram ainda
que o número médio de telespetadores é de 115 100 telespetadores e que o reach,
número de telespetadores que tiveram em contacto com o programa durante pelo
menos um minuto, é de 586 100 pessoas.
Já no caso do Mais
Transferências, o share é de 1,7%. Mais baixo do que o Prolongamento, mas ainda
assim superior à média do próprio canal. O número médio de espetadores é de 61
900, com um poder de alcance de 372 800 pessoas.
Estes números
provam o sucesso deste género de programas e explicam a grande aposta dos
canais nestes formatos. Os dados a que o SOL teve acesso apenas contam com os
programas emitidos originalmente. Ou seja, não incluem repetições. Quando
repetidos, que é o que mais acontece, muitas vezes, chegam a duplicar os
shares.
Mas a TVI não é
caso único e isolado. Os dados referentes à CMTV mostram que o share médio anual
do canal é de 3,2%, com um número médio de espetadores na ordem dos 63 300. Mas
analisando os dados da Liga d’Ouro ou do Pé em Riste percebe-se que existe a
mesma lógica dos programas da TVI24. O Pé em Riste, por exemplo, apresenta um
share de 2,9%, mas um número médio de espetadores que atinge os 93 000. Sendo
que, do início de janeiro até à passada quinta-feira, 666 400 estiveram em
contacto com este programa, durante pelo menos um minuto.
No caso do Liga
d’Ouro, é preciso notar que, apesar de ter um share (2,6%) e um reach (590 000)
mais baixo do que o Pé em Riste, o número médio de espetadores é de 100 400. Ou
seja, tem mais 37 100 pessoas do que a média do próprio canal.
Também os dois
programas da SIC Notícias apresentam um cenário idêntico. Tanto o Play-Off como
o Dia Seguinte contam com médias muito superiores às do próprio canal. O
Play-Off conta com um número médio de 93 700 espetadores e o Dia Seguinte tem
84 800, enquanto o próprio canal conta com uma média de 34 600 telespetadores.
O share médio do canal é de 1,8%, enquanto o share do Play-Off é de 2,4% e o do
Dia Seguinte é de 2,1%.
Comparando todos
os programas deste género, os da RTP 3 são os que apresentam as médias mais
baixas deste ano. Com um share médio anual de 0,7%, a RTP 3 conta com 1,4% de
share no Trio d’Ataque e 1,0% no programa Grande Área. O número médio de
espetadores do canal este ano é de 14 300, mas o dos programas em questão é bem
superior: O Trio d’Ataque tem um rating de 53 000 telespetadores e o Grande
Área tem 30 400.
Falamos, em todos
os casos, de formatos que são verdadeiros êxitos de audiências, mas que muitos
criticam por haver falta de regulação [ver texto ao lado]. Ao SOL, Jorge
Silvério, psicólogo desportivo, defende que não pode valer tudo: «Claro que
podem aumentar a violência. Há estudos científicos que provam isso. É preciso
criar uma regra para moderar este tipo de linguagem. Até porque não devemos
esquecer que até nos jogadores tem consequências. Eles não vivem numa bolha.
Sabem o que é dito e, muitas vezes, o impacto pode ser muito negativo» (texto da jornalista do ionline, SOFIA MARTINS SANTOS, com a devida vénia)
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