quinta-feira, dezembro 14, 2017

Recordando uma opinião de 2002: Os ventos e vendavais do aeroporto da Madeira

"No dia 20 de Abril foi publicado um artigo no PÚBLICO em que é feita referência ao ponto 14 de uma exposição por mim feita ao Sr. Ministro do Equipamento Social em Dezembro de 2001, na qual denunciava a actuação do INAC, relacionado com as limitações publicadas por esta entidade relativamente ao Aeroporto da Madeira. Porque essa referência isolada não dá uma ideia correcta da real dimensão do problema, tentarei aqui contribuir para a solução final desta polémica. Até agora, passados cinco meses após a minha exposição, nada foi feito. Tendo contactado o INAC em meados de Março, foi-me dito que nada de errado se passava, tendo sido inclusive considerada a hipótese de eu ser processado pelo teor da dita exposição.- Recentemente ocorreram vários episódios, de novo envolvendo o Aeroporto da Madeira e as limitações operacionais.

De assinalar que, desta vez, as limitações eram para a pista 05 e estão efectivamente publicadas. Seria normal, como aliás aconteceu, que alguns operadores operassem ou não para o Aeroporto da Madeira, dependendo da sua política de operação, sem contudo estar posta em causa a segurança. Já não me parece normal aparecer alguém na comunicação social, como representante de uma classe, dividindo a mesma em bons e maus e questionando o direito de opinião a outro membro da classe, invocando nomeadamente o facto daquele não fazer parte do "clube". Muitas opiniões e recriminações e poucas conclusões.- Do teor da exposição, depreende-se que eu tenho uma opinião diferente da maioria dos meus colegas e do INAC no que respeita às limitações existentes no Aeroporto da Madeira. Assim é. Por essa razão tenho vindo a pugnar pelos meus direitos e obrigações de cidadão e profissional.
Tenho a obrigação de tentar esclarecer o que me parece serem mal-entendidos, que podem eventualmente lesar os interesses do meu País, bem como o direito a ser ouvido. Até poderá acontecer que seja eu que tenha andado todo este tempo a entender mal. Ficarei grato se alguém me esclarecer e terei que assumir o meu erro. Não seria a primeira vez. Se contudo se estabelecer que o erro está do outro lado, espero a mesma atitude.Uma vez que o artigo que escrevi no PÚBLICO em Dezembro de 2000, bem como todos os outros meios de comunicação que utilizei não foram aparentemente produtivos, vou tentar outro método, quiçá com mais sucesso.
Como vou tentar comunicar com os meus colegas pilotos de aeronaves bem como com os técnicos do INAC, perdoem-me a eventual terminologia técnica usada, porquanto assumo que irá ser entendida.- Vamos então, caros colegas e técnicos do INAC, imaginar que estamos todos juntos, munidos das publicações e documentos apropriados, a fazer um curso de refrescamento de operações de voo para a Madeira, em particular as limitações de vento publicadas. Vamos todos começar por ler o que está escrito no AIP ou na carta da Jeppesen-Airport Briefing do Aeroporto da Madeira. Ao mesmo tempo dispomos também de cartas de aeródromo e de aproximação. Estamos a ler o que estava publicado antes das alterações introduzidas pelo INAC em Novembro 2000. No capítulo das limitações e procedimentos de operação, começamos por informação de vento e turbulência actual na fase do vento de cauda e final da pista 05, onde a torre de controle dará informações do vento, aparecendo em seguida os sectores definidos e respectivos limites de vento e rajada. Notaram que a pista 23 não é mencionada, até porque é óbvio que se descreve uma aproximação para a pista 05 que deverá ser sempre efectuada em circuito. A seguir aos sectores definidos lemos que para descolar e aterrar na pista 23, o máximo de rajada permitida, lida nos anemómetros da Torre e Rosário, é de 25 Kts. É óbvio ser esta a única limitação publicada para a pista 23. Agora olhemos para as cartas de aeródromo e de aproximação. Também é óbvio que em todas aparece um desenho com os sectores de limites de vento tendo ao centro o desenho da pista. Dirão vocês: o que é óbvio para mim não o é necessariamente para vós. Tudo bem. Agora perguntar-vos-ei se não acham que seria necessário haver dois desenhos independentes, um para cada pista, até porque são diametralmente opostas e os limites de uma não servem necessariamente à outra, podendo inclusive ser um contra-senso.Como sabem, em aviação devem evitar-se situações de ambiguidade. Pode afirmar-se que o facto de terem posto em todas as cartas, mesmo para as aplicáveis à pista 23, o desenho com os sectores de limites de vento da pista 05, pode confundir.
Também, olhando para o desenho, não estão a imaginar, ou digamos, a aceitar uma limitação de 25 Kts no sector dos 020 aos 050 graus, para a pista 23, significando a possibilidade de se poder aterrar com esse vento nessa pista, o que como se sabe não deve ser feito. Assumindo que estamos de acordo que as limitações demarcadas nesses sectores são apenas aplicáveis para a pista 05 e que para a pista 23 a única limitação é a rajada de 25 Kts, o que acham do INAC ter alterado o sector que vai dos 120 aos 230 graus intensidade máxima de 10 Kts, para 120 aos 200 graus intensidade 15 Kts rajada 25 ?É óbvio que um limite que até faz sentido foi arbitrariamente mudado, perigando as aproximações à pista 05, apenas por se pensar que esse sector era aplicável para a pista 23.Imaginem agora uma aeronave que faz uma aproximação para aterrar na pista 05 e que o vento é de 125º/15 Kts rajada 25. Tudo legal, dirão. Reparem que, sendo a aproximação forçosamente em circuito pela esquerda vamos ter uma perna base em direcção ao Gelo, com vento de cauda de no mínimo 15Kts. Já na configuração de aterragem e a iniciar a volta para a final tiveram apenas falha do motor nº 2. Convido-os a continuarem a imaginar quais poderão ser as inerentes consequências. Talvez, com este exercício, vejam a pertinência da limitação de 10 Kts para a pista 05.
Um estudo da ICAO, de Dezembro 1997, recomendava que os limites existentes para a pista anterior (06/24) fossem mantidos. Estes limites tiveram origem noutro estudo de 1991 do Centre National du Recherche Meteorologique, Toulouse. A ICAO também recomendava que estes fossem revalidados na prática, para a nova pista. Como sabem aguarda-se ainda a materialização de novo estudo ou revalidação daquele.
Terminado o curso de refrescamento, vamos tirar conclusões:
1) O INAC alterou limitações pertinentes para a pista 05 desnecessariamente, até porque, com ventos superiores a 10 kts no sector dos 120º aos 230º, utilizar-se-ia a pista 23.
2) A alteração efectuada criou desnecessariamente, no mínimo, uma redução nas margens de segurança desejadas, potenciando um acidente grave.

3) O continuado autismo do INAC relativamente a esta situação é de lamentar.Presumo que neste momento já terão chegado às mesmas conclusões que eu, não excluindo, contudo, a eventualidade de discordarem.Devo reiterar que, independentemente da vossa posição, assumo as responsabilidades inerentes à minhas opiniões (texto de Ferreira Alves, ex-comandante de linha aérea, publicado a 1 de Junho de 2002 no Público, com a devida vénia)

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