domingo, agosto 06, 2017

Miguel Albuquerque ao "Observador": “O poder é perigoso, exige os pés na realidade”

Miguel Albuquerque, que sucedeu a Jardim na Madeira, vem de uma família que mistura anti-salazaristas e católicos. Em entrevista a Maria João Avillez, critica António Costa, Passos e Marcelo. Um dia, sem alarido de maior, como se fosse fácil ou previsível, derrotou o invencível Alberto João. Depois, venceu cinco “companheiros” do seu partido e cortou a meta da liderança em primeiro lugar. E, a seguir, também não era expectável que o PSD, desunido e orfão do seu grande líder, não se esfrangalhasse — mas não esfrangalhou.
Escrevi na altura que Miguel Albuquerque transformara uma transição política quase “impossível” num vulgar acto democrático com as regras de um Estado de Direito, amparadas numa boa dose de elegância pessoal. Tem 58 anos, o olhar azul, a curiosidade vivíssima, a intuição sempre alerta. É persistente, impaciente, impulsivo e combativo. E, por vezes, vítima de si mesmo, na pressa que usa, mas a governação impôs-lhe um limite ao excesso de velocidade. Gosta de agir, fazer, concretizar, correr (e de tocar piano, colecionar rosas e visitar feiras de antiguidades).
Governa a Madeira e o Porto Santo, lidera o PSD, tem responsabilidades internacionais mas sempre com um olho atento no “continente”, o que lhe permite o à vontade fluído com que aqui discorreu sobre o PSD nacional, a actual liderança, os opositores internos, Marcelo — a quem deixou um pré-aviso – e a geringonça, com a qual foi impiedoso. Preocupa-se com a UE, Trump e o Brexit e acredita inabalavelmente no (bom) futuro da Madeira. E, acima de tudo, em si mesmo.

Talvez tenha razão. Mas com os personagens é isto: confundem-nos.
  • Estamos em Lisboa, começo por Lisboa: parece ter uma relação feliz com a República. É para se distinguir da atitude arrogante, quase doentia, quase esquizofrénica, que durante muitos anos caracterizou o dr. Alberto João Jardim face ao continente?
  • Sempre tive uma óptima relação com Lisboa, acho-a uma cidade magnífica, tenho inúmeros amigos aqui. A minha mãe vive cá e tenho uma filha e netas que habitam em Cascais. Mais importante que isso, tenho um bom relacionamento com os orgãos de soberania, as instituições, conheço bem os seus titulares. Não há complexos de inferioridade ou superioridade, o meu relacionamento é perfeitamente normal.
  • Quem são os seus amigos políticos aqui?
  • Amigos políticos…. bem isso é sempre uma questão algo complicada. Há pessoas com quem me relaciono há muitos anos, autarcas em primeiro lugar, do meu partido, e dos outros…
  • … sim, foi durante muitos anos presidente da Câmara do Funchal…
  • … muitos anos. E por isso tenho grande amizade com autarcas, a maioria já não em funções. E no partido há pessoas com quem, desde há anos, me dou muito bem.
  • Por exemplo?
  • Alguns actuais dirigentes do PSD, outros fora da direcção, gente da minha geração… Santana Lopes, Morais Sarmento, Marques Mendes, Passos Coelho, com quem me dou bem. O que não exclui por vezes posições divergentes, algo aliás que sempre mantenho na política: poder divergir. Ser frontal, assumir clareza nas posições. Não gosto e não pratico a hipocrisia, é má para quem exerce a política, e é má para os receptores, ou seja, para quem servimos.

  • Primeiro esboço do retrato: não é hipócrita. Mas é sobretudo um personagem pouco comum no universo politico português. Pelos seus interesses, pela versatilidade dos seus mundos, as suas curiosidades, a energia com que “actua”. Lembro, por exemplo, o piano, as leis, a arte, a paixão pelas rosas, as viagens, o gosto pelas antiguidades. E a política, evidentemente. Também se define por gostar genuinamente de pessoas. Que explica tanta curiosidade e tão grande versatilidade de interesses?
  • Possivelmente vem da educação que tive, que nunca foi “especializada”, pelo contrário. A partir de determinada altura, a educação começou a ser dada pelo princípio da especialização, o que era uma chatice, uma pessoa ficava a saber muito, de pouca coisa. É muito limitador. E, na actividade política, pior! O exercício da política não é, como agora está na moda, um exercício de contabilidade pública, nem dar e tirar coisas às pessoas, ou fazer equações financeiras. A política é um conjunto de considerações e objectivos, alguns de ordem moral, que apontam rumos para os nossos destinos comuns. O que implica o conhecimento da sociedade no seu todo, e ainda algo que é decisivo: a intuição, o conhecimento das pessoas, dos cidadãos e dos corpos sociais. Estes não são feitos de exercícios de racionalidade pura, pelo contrário. Se assim fosse, qualquer bom economista ou bom contabilista era um óptimo político.
  • Antes de voltar à sua história pessoal, tenho de parar na crítica que fez à politica economicista, utilizada como escolha ou fim único. Pergunto: não estará intencionalmente a esquecer que, por vezes, há circunstâncias na vida dos países que exigem essa tomada de medidas? Mesmo que o preço seja um mar de críticas como a sua de que “estes tipos só pensam nas contas”?
  • O que estou a dizer é talvez um pouco diferente. Referia-me à importância de uma educação humanista, uma educação clássica. A maioria dos grandes políticos possuíam uma educação clássica, que abarcava diversas áreas.
  • Foi educado assim?
  • Sim, na minha família sempre foi assim. Da botânica às artes, à música, aos livros, à cozinha. Aprendemos a fazer tudo.
  • Ah, faltou-me a cozinha…
  • Fazia parte da educação sermos auto-suficientes e possuir uma visão abrangente do mundo. Ensinaram-nos a apreciar as coisas… O meu avô tinha uma quinta, para onde importava muitas plantas, correspondendo-se com grandes botânicos. Apreciava explicar-nos o que era uma planta, como era, de onde vinha. Isso foi criando no nosso percurso de vida uma aprendizagem, um saber apreciar, na botânica, mas também na literatura, que nunca perdi. E o próprio gosto ia-se também abrindo e sofisticando. A necessidade de organizar hoje a sociedade de outro modo levou a que se evoluísse para o princípio da especialização. As grandes sociedades de advogados são tambem nele hoje baseadas, mas ainda me lembro de mim exercendo advocacia como “médico de família”. Para não vir a estar dependente da política, criei o meu próprio escritório de advocacia. Fazia um pouco de tudo, era obrigado a estudar tudo.
  • O meu avô tinha uma quinta, para onde importava muitas plantas, correspondendo-se com grandes botânicos. Apreciava explicar-nos o que era uma planta, como era, de onde vinha. Isso foi criando no nosso percurso de vida uma aprendizagem, um saber apreciar, na botânica, mas também na literatura, que nunca perdi 
  • Já vamos à politica, mas antes disso: a sua família também é um caso interessante. De um lado, republicanos e progressistas; do outro, católicos muito conservadores.
  • Era uma boa mistura: do lado da minha mãe havia uma matriz republicana, jacobina e anti-salazarista – o meu avô esteve preso em 1931, em S.Tomé, e depois em Cabo Verde; o lado paterno era monárquico e católico. Como convivia muito com uns e outros, fui educado dentro das duas matrizes. Os primeiros livros que o meu avô Machado me deu a ler não foi A Cidade e as Serras, mas A Relíquia e O Crime do Padre Amaro, na altura censurados. E depois veio o Aquilino, um republicano revolucionário…
  • Falou-me da botânica, mas não me falou de rosas. É um dos maiores conhecedores e coleccionadores portugueses de rosas, costuma integrar júris internacionais de concursos…
  • Integrei, integrei… Agora não tenho tempo.
  • É um dos maiores conhecedores e coleccionadores portugueses de rosas, costumava integrar júris internacionais de concursos
  • E o piano? Devo decliná-lo no passado como os júris das rosas, ou posso falar dele no presente? Foi um impulso de juventude ou um gosto que permaneceu?
  • Permaneceu! Sempre toquei. Quando estava a estudar, fazia as férias dos pianistas, substituía-os, e era muito bem pago na altura! Antigamente — antes de os músicos serem substituídos pelas máquinas… — todos os hotéis tinham banda e eu “entrava em cena” nas férias do pianista!
  • Na Madeira?
  • Sim. Tocava nos hotéis todos. Em navios não cheguei a tocar, mas estive quase, quase…
  • Tem um piano em casa?
  • Tenho. Toco todos os dias. Cinco, dez minutos, os miúdos adoram. E o meu irmão também toca. Guitarra e baixo.
  • Já tocaram juntos?
  • Já.
  • Se algum empresário musical sabe, manda vir os dois da Madeira…
  • …já aconteceu. Há um conjunto de músicos que dantes tocava comigo, e de vez em quando juntamo-nos e fazemos umas brincadeiras. Ou alguns espectáculos de beneficência, já houve vários e fizemo-lo com muito gosto.
  • Quando se senta ao piano diante dos seus filhos Afonso e Frederica – Afonso de Albuquerque, hein? – pode tocar o quê? Depende? Tem um compositor preferido?
  • Tenho vários, depende das épocas. Bach antes do mais. E também gosto de jazz, de Bossa Nova, aprecio imenso as peças do António Carlos Jobim. Há alguém que me interpela muito, para mim é o maior pianista do século XX, o Glenn Gould, sobretudo nas Variações Goldberg, uma peça absolutamente extraordinária. Os grandes compositores e os grandes pianistas têm quase sempre um tique ou uma tara, que os torna ainda mais fascinantes e não sei se sabe que, desde miúdo, um dos tiques do Glenn Gould era tocar sempre numa cadeira baixa – aliás, ele estava sempre deitado sobre o piano, era quase uma aranha sobre o teclado. Transportava a cadeira ao longo de todos os concertos que dava pelo mundo, tratava-se da principal componente da sua bagagem. Era um homem bonito, morreu muito novo, aos 50 anos, enlouquecia as mulheres.
  • Sempre toquei. Quando estava a estudar, fazia as férias dos pianistas, substituía-os, e era muito bem pago na altura! Antigamente -- antes de os músicos serem substituídos pelas máquinas... -- todos os hotéis tinham banda e eu “entrava em cena” nas férias do pianista!
  • O presidente do Governo Regional da Madeira, Miguel Albuquerque, é alguém muito curioso. Compreendeu cedo que a curiosidade pode ser um poderoso instrumento anti-instalação, anti-desistência, anti-envelhecimento? Tem a noção disso?
  • A toda a hora. Sim, sim. Admito que para quem vive comigo possa ser um pouco cansativo, mas…
  • A curiosidade ajudou-o a ser um bom aluno?
  • Fui bom aluno, mas fui sobretudo uma criança privilegiada na educação, aprendi cedo o valor da constância, da perseverança no atingir dos objectivos. E sabe quando? Por volta dos 12 anos, quando comecei a nadar. O desporto que fiz na altura era federado, havia as provas, os treinos, a disciplina. Foi aí que a minha vida registou uma mudança importante. Adolescente, com 12, 13 anos, lutar para atingir os recordes de natação, dos 100 metros, dos 200 metros, criou-me uma espécie de preparação, de auto-disciplina, de capacidade de resistência. Não há estratégia de médio e longo prazo que resulte sem elas. Na politica e na vida.
  • Tem uma personalidade determinada, afirmativa, às vezes até festiva. E gosta de rir.
  • Tenho sem dúvida um carácter positivo. Uma vez perguntaram ao Ronald Reagan — sempre muito gozado porque era o Reagan, porque era o Presidente mais velho da América, etc, – porque é que ele estava sempre a intercalar boas anedotas nos seus discursos e intervenções: “Foi o Lincoln que me avisou que, ou tens sentido de humor e o praticas, ou não aguentas este trabalho um único dia”. Portanto, ou temos sentido positivo e humor ou as coisas tornam-se muito difíceis. Não confundir com festa, Portugal não se vai desenvolver porque ganhou o Festival da Canção, o Europeu e mais não sei o quê… É quase uma aberração — festiva, mas uma aberração – porque é preciso mais e melhor para desenvolver o país e às vezes até parece que não.
  • Penso aliás muitas vezes nessa espécie de paradoxo que é o espírito positivo e a perseverança que os portugueses revelam lá fora, nas sociedades mais competitivas, onde concorrem com o melhor do mundo em várias áreas e as suas atitudes cá dentro… Que se passa aqui dentro, que não se passa lá fora? Não sei. Porque é que se brilha fora do país e dentro há um comportamento de queixumes, atrasos, dificuldades?
  • Portugal não se vai desenvolver porque ganhou o Festival da Canção, o Europeu e mais não sei o quê... É quase uma aberração -- festiva, mas uma aberração – porque é preciso mais e melhor para desenvolver o país e às vezes até parece que não (...) Porque é que se brilha fora do país e dentro há um comportamento de queixumes, atrasos, dificuldades?
  • É tempo de nos apearmos na política. Outra boa história. Quando adquiriu a certeza de que ela iria ser o seu modo de vida e a sua meta?
  • Devido às circunstâncias de vida do meu avô, a politica estava na familia há muito, era uma constante em casa. Não era um universo estranho. Comecei muito novo na JSD, talvez com 17 anos mas sempre com aquela ideia fixa de nunca ficar dependente da politica.

  • Começou no PSD porque era o que sobressaía na Madeira?
  • Na sua fase inicial, o PSD fez de facto uma grande e muitíssimo positiva mudança na ilha, o que marcou muito uma geração — que era a nossa — que acompanhava com entusiasmo esse processo de mudança. Apesar disso, repito, criei o meu escritório e mantive-o a funcionar mesmo quando mais tarde fui para a Assembleia como deputado. Foram tempos interessantes: Alberto João Jardim era sobretudo um bom parlamentar e, nessa altura em que tudo começava, ele ainda tinha paciência para ir ao Parlamento, onde se faziam excelentes debates. Vivos, animados, ninguém tinha medo de “falar claro e explicado”, como se diz. Por vezes, os debates tinham algumas características anglo-saxónicas, como eu gosto, democracia com dialéctica de frontalidade. Detesto o “rame-rame”. Democracia é confronto. Vou todos os meses à Assembleia, gosto de ir, aprecio o confronto: devem denunciar-se as coisas, debater-se, ser-se claro. Deve esclarecer-se o cidadão.
  • Como aterrou a autarquia do Funchal na sua vida politica?
  • Em Novembro de 1993 estava-se na iminência de perder o Funchal e o Virgílio Pereira, que fora deputado ao Parlamento Europeu, sugeriu-me apresentar uma candidatura. Disse-lhe que não estava disponível, tinha dezenas de processos a correr no tribunal, iria como número dois. Foram umas eleições muito difíceis, ganhámos o Funchal por pouco. Tempos depois, dá-se uma briga entre o Alberto João e o Virgílio por causa de questões da Câmara. Zangaram-se, o Virgílio sai, fiquei com a ‘menina-câmara’ na mão. Pareceu-me um bom desafio. Deleguei os processos nos meus colegas — na altura foi muito complicado — e assumi integralmente as funções, apesar do prejuízo financeiro. Gostei imenso dos primeiros anos dos mandatos que fiz na Câmara.
  • Também deve ter gostado dos últimos, ficou 19 anos. Um dinossauro.
  • Estive até 2013. O último mandato já me custou, francamente, queria sair, mas como o Alberto João estava contra mim, tive de ficar, não é? Fiquei quase vinte anos, sim, mas ganhando sempre com mais votos de eleição para eleição.
  • Até quando é que esteve, convictamente, lealmente, ao lado de Jardim?
  • As coisas azedaram muito nesse meu último mandato. Eu já assumira muitas divergências no ultimo Congresso, apesar de ter publicamente apelado para que houvesse mudanças. O partido precisava de se abrir, a Madeira precisava de mudar, Jardim precisava de sair. Existia outro ciclo no horizonte.
  • Cuja cara e vontade política seriam as suas?
  • Uns meses antes de concorrer pela primeira vez contra Alberto João, fui, como presidente da Câmara, a um evento no Funchal e, quando estava entrar com o meu vereador, virei-me para ele e disse-lhe: “Vou apresentar a minha candidatura à liderança”. Caiu como uma bomba. E caiu-me o aparelho todo em cima, o governo todo, eu estava ali completamente isolado. Mesmo assim fui para o terreno, sem meios nenhuns, e quase ganhava as eleições…
  • Eu estava lá com uma das televisões, lembro-me bem da gelada aflição de um notável “jardinista” que estava comigo nessa emissão.
  • Era a primeira vez que concorria contra o líder, mas foi por pouco: 48% dos votos. Apesar, repito, de ter tido todo o aparelho e todo o governo contra mim.
  • Também me lembro de se dizer que o que mais surpreendia em si era que, apesar desse cerco, não lhe ocorria desistir.
  • Tínhamos meia dúzia de pessoas que nos apoiavam e nenhuns meios. No primeiro jantar de apoiantes havia muito pouca gente. O dr. Alberto João mandou lá um fotógrafo para depois poder troçar e dizer mal… Não vale a pena estarmos agora com paninhos quentes, Jardim ameaçava, escrevia, manipulava, injuriava. As coisas na altura foram assim mesmo. Imaginei uma campanha baseada no contacto pessoal. Íamos no carro a todo o lado. À ilha toda. Lutando com uma parafernália de meios, funcionários, governantes, notáveis. Foi uma luta muito animada. Gostei imenso. Deixou boa marca.
  • Aprendeu que compensa não desistir? Aprendeu o quê?
  • Aprendi uma coisa que deve sempre preocupar quem está no poder: é preciso termos os pés na realidade. Muitas vezes a bolha mediática, opinativa e institucional em que estamos não é a realidade. Aconteceu há um ano nos Estados Unidos. Aconteceu em Inglaterra e voltou a acontecer nas ultimas eleições inglesas. Aquela redoma — tal como, de resto, as redes sociais — pode não significar a realidade.
  • Voltando a si: voltou a ganhar, derrotou Jardim. E à terceira foi de vez. Mas, nesse terceiro round, em lugar de Alberto João teve diante de si cinco candidatos á liderança do PSD. Nunca duvidou da vitória?
  • Parti com essa convicção. Face aos meus cinco adversários, sentia-me o mais habilitado para ganhar.
  • No caso, o que era “mais habilitado”?
  • Era a clareza da mensagem politica, a preparação para os debates, um maior conhecimento, o tipo de contacto forte que consegui com os próprios eleitores. Era querer ganhar. E ganhei.
  • Ganhar porquê? Para quê?
  • Para mudar, como já ocorreu. Na eleição anterior, eu vaticinara que as coisas iriam correr mal. E correram pessimamente logo nas autárquicas, como avisara. Num total de 11 câmaras, ficámos com quatro. Foi catastrófico. Ficou para mim muito claro que, ou tínhamos um projecto que despertasse uma esperança nos madeirenses e nos porto-santenses, com objectivos fortes de futuro, ou o partido fragmentar-se-ia e o PSD perderia o poder na Madeira. Mas deixe-me ser franco: o que acho extraordinário não é ter ganho as eleições internas contra cinco candidatos. A seguir tive de colar os mil pedaços em que se partira o PSD, estabelecer pontes, unir o partido. E depois voltar a ganhar — com maioria absoluta — contra a oposição madeirense. Foi aliás a grande oportunidade que a oposição teve de tomar o poder na Madeira. Não conseguiram.
  • O exercício do poder é complexo. E perigoso. Pode levar à soberba, ao isolamento, por vezes à paranóia. No meu próprio caso, busco muito a ponderação. Procurando nunca cortar com a realidade social, nunca deixar de sentir o palpar da sociedade, o que as pessoaa querem, ou precisam, ou sentem
  • Despiu a pele de “enfant terrible” talentoso e versátil e vestiu a de governante. Já evocou o perigo de se deixar enclausurar numa redoma. O poder é perigoso?
  • É. O exercício do poder é complexo. E perigoso. Pode levar à soberba, ao isolamento, por vezes à paranóia. No meu próprio caso, busco muito a ponderação. Procurando nunca cortar com a realidade social, nunca deixar de sentir o palpar da sociedade, o que as pessoaa querem, ou precisam, ou sentem. Por outro lado, é igualmente importante ter a noção de que as pessoas por vezes confundem as coisas: os grandes objectivos do exercício do poder são hoje muitas vezes confundidos com os interesses sectoriais de determinados grupos. Se o poder se deixa capturar por eles — que fazem mais barulho e têm mais acesso aos meios de comunicação – é a generalidade da população que fica prejudicada.
  • Apesar da determinação e da energia que exibe, apesar de 2016 ter sido o melhor ano turístico de sempre na Madeira e apesar de a recuperação económica, que, embora lentamente, emite bons sinais, há altos e baixos na governação: houve algumas escolhas polémicas suas – estou a lembrar-me da Saúde; há promessas a meia nau e outras a nau nenhuma. Paremos por exemplo no sensível sector dos transportes: no marítimo, não abriu ainda o concurso do ferry, há muito prometido; e, no aéreo, Miguel Albuquerque assumiu o compromisso que o máximo que um madeirense pagaria para se deslocar no território nacional são 86 euros. A diferença para o preço real é paga pelos meus impostos. Quer explicar-nos isto?
  • A recuperação económica da Região é uma realidade, e não apenas pelo crescimento do turismo. Não sou eu quem o diz — os números demonstram-no e o crescimento do emprego reflete essa realidade. Mas, quando me fala de escolhas polémicas, bom… É que fazer escolhas e tomar decisões é sempre um exercício de opções de entre as possibilidades. Não me arrependo das escolhas, muito menos de as afinar, quando isso se impõe.
  • E os transportes?
  • Há situações distintas. Na mobilidade aérea, o nosso compromisso foi rever o sistema para tornar mais justo o custo da deslocação entre a Região e o Continente para residentes. Esse valor de 86 euros para residentes — e 65 para estudantes — resultou dos cálculos feitos pelo Governo da República: seguindo um critério em que as milhas percorridas são um fator relevante, estabeleceu um valor para a Região Autónoma da Madeira e outro para a dos Açores. Porém, ao contrário dos Açores, para os residentes na Madeira existe um teto máximo por viagem, de 400 euros. A partir daí, o remanescente paga o passageiro. Quanto ao concurso para a linha ferry, procuramos uma solução para a absurda inexistência de ligações marítimas entre as ilhas e o Continente, o único país da União Europeia onde tal sucede! Após 40 anos de democracia, pergunto: como se pode olhar como uma excentricidade ou um capricho a defesa da mobilidade dos cidadãos dentro do próprio país?
  • Que fez o seu governo?
  • Retomou o tema, claro, procurando logo desde o início, encontrar soluções. Com transparência e sem pedir nada a ninguém, encetamos contactos com sete ou oito armadores, com propostas concretas de incentivos ao alcance do Governo Regional e desafiamo-los a apresentarem propostas. Em janeiro de 2016, com a mesma transparência, foi elaborado um relatório, resultado das consultas feitas e com os incentivos apresentados, bem como as respostas dos armadores. Sucede que nenhum deles considerou exequível a operação, sem contrapartidas a título de compensação.
  • Isso é público?
  • O documento é público. Face a isto, iniciámos contactos com a senhora ministra do Mar, dando conta destes esforços e da impossibilidade de criar a linha sem a abertura de um concurso. A República respondeu com um “não” redondo: o transporte aéreo basta, disseram eles.
  • E então?
  • Não desistimos. Após as consultas feitas a Bruxelas, foi obtida luz verde para o lançamento de um concurso público internacional, cujo caderno de encargos foi aprovado no passado dia 20 de julho, com um valor de 3 milhões de euros/ano. Mas pensar que, aqui ao lado, a Espanha tem um tratamento completamente diferente desta questão…
  • Quais as grandes linhas de orientação estratégica para a Madeira? Que quer para ela? De que forma poderá contar no todo nacional?
  • As linhas orientadoras do Governo estão perfeitamente claras. Há pouco mencionei algumas medidas já tomadas, mas a orientação estratégica da Madeira é a diversificação da economia. Apostamos em alguns sectores que são fundamentais, como por exemplo as áreas da tecnolologia, cujas respectivas empresas são decisivas. Temos duas das maiores empresas nacionais de tecnologia sedeadas na Madeira. Há também a aposta na aquacultura. O Centro de Maricultura da Calheta, que funciona desde 1997, serve de suporte científico e de investigação para apoiar os investidores nas suas opções e investimentos. A Madeira é neste momento o maior centro de produção nacional de aquacultura em offshore, e em 2020 estaremos com grandes investimentos. Esperamos atingir cinco toneladas por ano para exportação.
  • E o Centro Internacional de Negócios?
  • Destacarei uma das suas mais importantes vertentes: o Registo Internacional de Navios da Madeira, um instrumento fundamental nesta nossa setratégia de diversificação e que deveria absolutamente ser percebido pelo país como um excelente aliado para a própria economia nacional.
  • E não é?
  • Muitas vezes, não. Com muita pena minha: o terceiro maior registo de navios da Europa está em Portugal! A extensão da plataforma marítima continental é talvez um dos nossos maiores desafios para os próximos 30 anos como país. O novo mapa mostra-nos como Portugal é 97% mar e as regiões ultraperiféricas, Madeira e Açores, dão um contributo decisivo para essa nova dimensão. Um dos nossos grandes desafios — e simultaneamente uma imensa oportunidade — é conseguir ser consequente com essa realidade. Crescer, apostar na investigação, explorar esse mar que é nosso e no qual temos quase tudo para fazer. Os diagnósticos estão todos feitos: a política do mar existe, tem é de sair do papel. Julgo que a Madeira está a dar importantes contributos para isso mesmo: fazer acontecer.
  • Parece sempre optimista. Parece António Costa.
  • Não. Falei de políticas. Também temos más notícias. As coisas nem sempre correm bem. Falou-me do ferry. Gostava que essa história tivesse sido mais rápida. Mas, se temos que decidir, temos também que ser firmes. Tudo tem um tempo. Não se pode chegar as decisões e depois improvisar. Nem esquecer que quase sempre o que demora são os procedimentos administrativos que têm de ser cumpridos.
  • Falou de decisão. Como é o seu processo de decisão? Prefere ouvir e depois tirar a sua própria conclusão? Decide rápido, decide só?
  • Por regra, tomo decisões em equipa.
  • Quais são, quanto a si, as opções que se colocam hoje prioritariamente a um governante?
  • Tomar decisões com efeitos de médio e longo prazo independentemente dos ciclos eleitorais.
  • Disse apreciar e valorizar o confronto em democracia. Mas uma coisa é gostar dele pelo prazer lúdico do jogo verbal e intelectual, outra… Pergunto: ouve a oposição? Atende à sua argumentação, às suas propostas?
  • Desde que sejam boas ideias, não enjeito. Chegámos a um consenso no Regimento da Assembleia Regional: dminuímos os nossos tempos de intervenção, aumentámos os da oposição. Aceitámos a ideia de o presidente do Governo estar todos os meses no Parlamento, vou lá mensalmente. Suspeito aliás que as oposições estejam arrependidas, já não gostam tanto que eu vá ao Parlamento. Mas isso é um problema deles, não meu. Eu gosto de ir… Houve um conjunto de reformas do sistema político regional que foram feitas, muitas delas reclamadas pela oposição. Estamos agora de roda da proposta de revisão do estatuto político da Madeira, que terá um conjunto de propostas que gostaria que fossem consensuais. Quando se trata do sistema político, acho que é bom a participação de todos e aceito as ideias, desde que sejam boas…
  • …ou desde que sejam as suas?
  • Ah… o que não sou nada é um apologista do consenso em democracia! Ela deve ser as opções que resultaram da escolha dos eleitores. Se não for assim, até parece que vivemos novamente num estado corporativo, onde os interesses se misturam todos.
  • A propósito de oposição, façamos aqui um breve parêntesis para voltar ao dr. Alberto João Jardim. Consta que há aí uns blogues, há murmúrios de (supostas) pressões feitas por ele sobre a escolha de candidatos do PSD às proximas eleições autarquicas. É isto?
  • Ele escreve num blogue, sim, onde expõe um conjunto de textos críticos do Governo. Assinados, e ainda bem que assim é. Toma as suas posições, tem liberdade para o fazer. E, ao contrário do que se passava no passado, eu aceito essas críticas. Discordo delas, mas ele é livre. Quanto a saber se interfere directamente nas autárquicas ou se patrocina candidaturas, não tenho nenhuma prova disso.
  • Qual é hoje a sua relação com ele? Convidou-o para ir à Quinta da Vigia almoçar consigo? Alguma vez discutiram a Madeira? Qual o seu sentimento em relação ao ex-líder da Madeira?
  • Nenhum. Não preciso de ter. Tenho uma relação normal. Sem qualquer espécie de problema. Da última vez que o Prof. Cavaco Silva esteve na Madeira, o Dr. Alberto João foi convidado e esteve no almoço. Mas, se pergunta se mantenho uma relação politicamente estreita com ele, não mantenho, nem tenho que ter tête-a-tête politicos com ele. Fomos internamente adversários, pessoalmente nada tenha contra ele. Há aliás pessoas da sua família que trabalham no Governo e têm responsabilidades políticas.
  • Da última vez que o Prof. Cavaco Silva esteve na Madeira, o Dr. Alberto João foi convidado e esteve no almoço. Mas, se pergunta se mantenho uma relação politicamente estreita com ele, não mantenho, nem tenho que ter tête-a-tête politicos com ele
  • Quem da família do Dr. Alberto João trabalha no seu gabinete?
  • A filha. Alguém altamente competente. É chefe de gabinete, e bem, do nosso Secretário das Finanças, dr. Rui Gonçalves. Como vê….
  • Viajemos até às autárquicas. Encara-as com preocupação?
  • Não. Vejo-as como um objectivo de vitória e digo-lhe porque iremos ganhá-las: pela primeira vez na Madeira, a maioria dos cidadãos foram confrontados com um conjunto de promessas, a cargo da oposição, que não foram cumpridas, tendo-se assistido à degradação dos concelhos, através de algo que a própria oposição se encarregou de exibir: ela é muito boa a reclamar, mas, a governar, é muito má. Sofre da chamada esclerose executiva. O PSD vai subir o número de câmaras, voltaremos a ficar na presidência da Associação de Municípios da Madeira. Falo com a convição de primeiro responsável pelo que afirmo.
  • Assume a mesma convicção na vitória das próximas legislativas?
  • Se me candidatar, é para ganhar, não é para perder.
  • Se se candidatar? Como assim?
  • Sim, penso pelo menos fazer dois mandatos. Há muito para fazer.
  • A minha pergunta relacionava-se com a ambição – e a ambição é um tema interessante. Gostaria um dia de sair da Madeira e continuar uma carreira política em Lisboa? A sua ambição é de grau nacional?
  • Não é coisa que enjeite. Possivelmente. Vamos ver.
  • Não enjeita. O que pergunto é se pensa nisso?
  • Sim, já pensei nisso. Um dia mais tarde.
  • Já pensou. Então gostaria?
  • Da mesma forma que não enjeitaria alguma coisa ao nível internacional. Gosto muito de política europeia. Interessa-me. Gosto imenso de Europa. Sou, de alma e coração, um defensor da União Europeia, um projecto fantástico e uma ideia magnífica. Vejo com grande preocupação e receio determinadas opções que estão a levar à desintegração deste projecto.
  • E então? Fazer o quê? Mudar o quê? Desistir de quê? Reinventar o quê?
  • Depois de 100 milhões de mortos resultantes dos conflitos europeus do século XX, é urgente recentrar o discurso europeu. Ter um projeto de paz, atender à coesão social. Agir.
  • A propósito da Europa: um fenómeno como o de Emmanuel Macron, que aos 39 anos chegou ao Eliseu, sem pré-aviso e sem tropas, impressiona-o? Marcou-o de alguma forma?
  • Claro que sim. Mas, na verdade, aquilo que mais me marcou – e continua a ser motivo e fonte de reflexão — foi o resultado das eleições nos Estados Unidos e o Brexit. Estamos num contexto novo, que a maioria dos políticos ainda talvez não tenha alcançado. Há uma mudança do paradigma económico: a classe média, que é quem sustenta as democracias, não só tem o seu rendimento estagnado, como perde emprego. Sabe que, entre 1860 e 1970, a população no sector agrícola passou nos Estados Unidos de 80% a 3% e a produção aumentou 10%? E que, no sector industrial, em 30 anos, a mão-de-obra na indústria baixou cerca de 50% e a produção aumentou 250%? Hoje, a optimização e as novas tecnologias retiram empregos e rendimento. A mão de obra especializada nos serviços está a ser substituída pela inteligência artificial e por um conjunto de tecnologias que estão interligadas, o que obviamente terá graves repercussões no emprego, na organização social, no financiamento das próprias redes sociais. É preciso olhar isto como um desafio para estes tempos e para os seus governos, saber captar o fenómeno. Mas parece que continuamos só a discutir o “dar e o tirar” do Estado Social ou os empregos públicos e os privilégios de quem está integrado. Ouço determinados indivíduos e parece que estão a falar da Revolução de 1917! Então e o subemprego, os ordenados cada vez mais baixos, a precariedade, o tipo de emprego à tarefa? E o futuro de um conjunto de profissões? Discute-se pouco ou nada as linhas estratégicas para o país: que riquezas, que trunfos, quais as melhores opções em termos estratégicos. Sabe o que acharia verdadeiramente útil e importante? Era que — pelo menos! — começásssemos a pensar no que vai ser Portugal dentro de 10, 15 anos. Que criássemos espaços no país para pensar estrategicamente. Talvez fossemos capazes de passar a liderar os problemas em vez de ir atrás deles.
  • Falemos agora do PSD. Há pouco evocou Passos Coelho, num mesmo “ pacote” onde estavam Nuno Morais Sarmento, Mendes e outros. Não sei qual é a sua relação com o presidente do seu partido, dir-me-á que é boa, não vamos perder tempo com isso. Boa ou não boa, sabe-se porém que canta no coro dos que querem uma substituição na liderança…
  • Nunca disse isso.
  • Então diz o quê?
  • O que é óbvio para toda a gente: o discurso do PSD tem de mudar. Há que alterar todo o registo. Como? Voltando a ser um projecto alternativo com uma esperança de futuro para o país. É este o registo fundamental do que tem de ser feito. Em vez de estar à espera que a coligação se desfaça, denunciem-se as insuficiências, as incompetências e o logro do conjunto do Governo. É fundamental, imprescindível, fazê-lo.
  • E não se faz?
  • Havia uma expectativa de que as coisas não iam durar, a geringonça ia cair, mas não se deve estar à espera da desgraça dos outros! O próximo ciclo do PSD tem de ser de combate político. A real situação do país tem de ser denunciada, está muito mascarada — das cativações à falta de investimento publico e a tudo que não pára de acontecer! A função dos partidos da oposição é não ter medo, descer ao terreno, desmascarar.
  • E se ninguém quiser ouvir o PSD ou vê-lo descer ao terreno?
  • Tem de se mexer mais e produzir um projecto alternativo. O que se passa com os sindicatos — agora tão mansos e calados, como se o país estivesse uma maravilha — é uma fraude manipulada pelo Partido Comunista que faz deles seus instrumentos. Dando a entender que os portugueses estão mais ricos quando o que sucedeu foi que se deixou de tributar directamente os rendimentos e passou-se a tributá-los de forma indirecta. Um logro que tem de ser desmascarado, objectiva e firmemente pelo PSD.
  • O que se passa com os sindicatos -- agora tão mansos e calados, como se o país estivesse uma maravilha -- é uma fraude manipulada pelo Partido Comunista que faz deles seus instrumentos. Dando a entender que os portugueses estão mais ricos quando o que sucedeu foi que se deixou de tributar directamente os rendimentos e passou-se a tributá-los de forma indirecta
  • Mas Pedro Passos Coelho faz isso. À maneira dele, que talvez não coincida com a sua.
  • O dr. Passos Coelho tem sido sempre um alvo a abater. Então, se é de morrer por mil, morre-se por um milhão! Toca a denunciar — que se faz tarde! — as razões que estão na base desta fraude política.
  • Disse fraude. Ouvi bem?
  • Refiro-me à ficção fraudulenta e fantástica de que está tudo bem.
  • Recomendaria aos cabeças de cartaz da oposição à direção do PSD que esperassem pelas legislativas ou que “actuassem” mais cedo?
  • Logo após as autárquicas. É fundamental que o PSD tenha, quanto antes, um projecto de esperança para o país, englobando as novas gerações, novas ideias, gente nova altamente qualificada
  • Dito assim, soa muito bem, mas é preciso um nome, um rosto, uma vontade para inspirar e cimentar tudo isso. Quem? Estamos a falar de política, estamos a falar do seu partido. Há alguns candidatos a candidatos: com quem é que vai estar?
  • Vou ser franco: só vejo o Dr. Rui Rio e o Dr. Passos Coelho. Mas, se for para avançar, que avancem de forma clara. Quando se está disponível não vale a pena disfarçar. Que vão a votos.
  • Já disse isso a Rui Rio?
  • Não. Falo por mim. Mas agora nem vale a pena falar, não vai acontecer nada, estamos em vésperas de autárquicas. Depois, se houver debate democrático dentro do partido, é bom. Se houver as candidaturas, também é bom. Tem é de haver ambas as coisas e ir a votos. Estarem uns tipos na retaguarda a mandar bocas, ou a escrever nuns jornais, não serve.
  • Falou de Rui Rio apenas por saber que ele será candidato ou porque se trata de um político que aprecia e gostaria que avançasse?
  • Que eu saiba, a única pessoa de que se fala é o Rio. Pode haver mais, dependerá dos resultados das autárquicas, não posso adivinhar as suas consequências.
  • Qual é o seu grau de compromisso com Rui Rio?
  • Nenhum. Gostava de ser claro. Não há compromissos com nenhum candidato. A minha posição como líder regional tem de ser sóbria e prudente — e vai continuar a sê-lo — já que tenho inerência na Comissão Política por representar uma estrutura autónoma. Devo ter alguma reserva na tomada de posições quando estão em causa disputas, não quero prejudicar nem a Região nem o partido na ilha da Madeira. Tento manter um sentido de colaboração crítico com todas as lideranças, sempre sem nenhum problema.
  • Não sei se tem sido tão cautelosa assim: defendeu , à revelia da direcção do seu partido, que o PSD apoiasse Rui Moreira no Porto…
  • Sim, disse-o numa entrevista — depois logo vieram criticar-me! — que Rui Moreira seria um bom candidato e que o PSD o devia ter apoiado no Porto. Ele não tem nada de esquerda e de extrema-esquerda ainda menos. Não conheço Rui Moreira, nunca falei com ele na minha vida mas teria sido uma boa opção. Já não vale a pena discutir isso. Agora, como é óbvio, temos é de apoiar os candidatos que foram escolhidos. É assim que as coisas funcionam.
  • E Marcelo? Deveria, como Presidente, ter uma actuação mais reservada face ao governo? Pensar mais estrategicamente e menos taticamente? Preservar-se mais e aplaudir menos?
  • É um homem inteligente e um homem culto. Criou um estilo.
  • Que subscreve?
  • A minha concepção da Presidência da República é um pouco diferente, é de resguardo institucional e de salvaguarda do regime.
  • O Presidente devia fazê-lo mais?
  • Já não pode. Fabricou um estilo e as pessoas gostam. A generalidade da população gosta da dessacralização do exercício do cargo que ele tem feito. O fundamental para mim é que o Presidente da República possua uma autoridade essencial que é a autoridade de regime. Independentemente de qual o estilo, terá de manter essa autoridade. O que quero dizer é que, quando for caso disso, o Presidente da República terá de ter a autoridade intacta para se “atravessar”. Quando for necessário e se for preciso, há que o fazer. Há questões fundamentais com que um dia seremos confrontados e será preciso…
  • Ah, o Presidente do Governo Regional da Madeira não está completamente sossegado?
  • Dou-lhe um exemplo. Se a Madeira, enquanto Região, for prejudicada pelo Governo da República por ter um Executivo do PSD, é fundamental o Presidente da República intervir.
  • Já aconteceu? Teme que aconteça?
  • Pode haver esse risco. E, nesse caso, a instância a que eu, como presidente do Governo Regional da Madeira, tenho de recorrer é a ele. Não se poderá admitir a discriminação. Sim, tenho um óptimo relacionamento com ele – como tenho uma boa relação quando falo com o primeiro-ministro. Mas uma coisa é uma boa relação pessoal, outra é a relação política. A minha obrigação é defender os interesses da Região. E agora, que há um conjunto de questões pendentes para resolver, quero ser muito claro: nunca poderei admitir, em qualquer circunstância, que a Região seja discriminada.
  • Que acha que o distingue? Como pessoa, como governante, como político? Qual é a sua marca?
  • É sempre difícil a autodefinição, não é? Mas terei duas características que talvez não sejam más de todo. Sou uma pessoa intrinsecamente democrática: fui formado em valores democráticos, detesto actos de arbitrariedade, de imposição, de injunção relativamente aos outros. Porventura também por causa disso tenho bastante tolerância. E sou combativo. Em política temos de ser combativos. Nunca gostei de políticos moles. A democracia ganha sempre com a combatividade (entrevista realizada pela jornalista do Observador, Maria João Avillez, com  a devida vénia)

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