sábado, junho 04, 2016

As melhores histórias da "incrível aventura" olímpica de João Rodrigues

"Uma incrível aventura", que se estendeu por mais de 24 anos, está quase chegar ao fim. João Rodrigues, decano da vela nacional, prepara a despedida no Rio 2016 - "é o fim de uma história que, para mim, foi absolutamente mágica", garante. O velejador madeirense, de 45 anos, entrou na história do desporto nacional ao garantir a sétima participação consecutiva em Jogos Olímpicos (JO), a partir de Barcelona 1992. E, agora, passa em revista o longo caminho até aqui, partilhando com o DN os episódios mais marcantes de cada ciclo olímpico. Quando João Rodrigues, então "um adolescente oriundo da Madeira, uma minúscula ilha plantada algures no Atlântico, participou pela primeira vez no maior evento desportivo do planeta", estava longe de imaginar que a aventura se ia estender por mais 24 anos, de Barcelona ao Rio de Janeiro, com passagem por Atlanta, Sydney, Atenas, Pequim e Londres. Para ele, as sete participações em JO representam "uma vida plena de significado e um enorme privilégio poder tê-la estendido por tanto tempo".
A qualificação para o Rio 2016 chegou no final de um "caminho difícil", dificultado por lesões até ao carimbar do passaporte. E, apesar do bom momento de forma, no Brasil (onde se encontra atualmente, a preparar os Jogos Olímpicos), João Rodrigues aponta a objetivos "extremamente simples": "Velejar bem, fazer boas regatas, boas largadas, competir inteligentemente, gerir bem a energia, adaptar-me da melhor forma possível ao equipamento fornecido." Ou seja: dar o máximo... em todos os vetores que pode controlar. "Estou a queimar todos os últimos cartuchos. E isso é extremamente reconfortante. Dá--me uma confiança que pensava já não possuir. Tudo o que vier, será bom", garante, sublinhando a vontade de despedir-se enquanto ainda consegue "fazer coisas bonitas" e "ser competitivo ao mais alto nível". Para trás, ficam as "ricas memórias" de mais de um quarto de século de dedicação à causa olímpica: as histórias que aqui partilha.
1992. A perceber a dimensão dos JO
João Rodrigues, então um miúdo de 20 anos, aterrou em Barcelona, sem saber ao que ia: só na cerimónia de abertura dos Jogos Olímpicos de 1992 lhe caiu a ficha e percebeu a grandiosidade do evento em que se ia estrear. "Perto de dez mil atletas estão reunidos no estádio Olímpico em Montjuic. E, então, uma bandeira gigante com o símbolo olímpico começa a ser desenrolada sobre as nossas cabeças. Milhares de braços aguentam-na. Sou um deles e só consigo sorrir. Mas, ao meu lado, um atleta da Irlanda chorava compulsivamente, de emoção, de alegria, mas também de fascínio. Fiquei ali especado a olhar para ele até que as perguntas começaram a surgir", recorda. Nos dias seguintes, o velejador percebeu, enfim, o significado e a dimensão de uns Jogos Olímpicos. "Foi tudo tão intenso, tão grandioso, tão absolutamente inesquecível. Eu só queria velejar numa prancha à vela e, de repente, estava ali na mais fantástica festa do desporto que se poderia imaginar. Oh, e eu não imaginava... É que não imaginava mesmo", nota. No final, ficou em 23.º lugar da classe Lechner, entre 44 participantes.
1996. TV no armário, provas superadas
Por vezes, a melhor parte de uma viagem é o caminho, não o destino. E o percurso até Atlanta é o que João Rodrigues mais recorda do seu segundo ciclo olímpico - mesmo tempo saído dos EUA com um diploma de finalista (7.º lugar na classe Mistral, entre 46 atletas). Em plena viagem de regresso de Barcelona 1992, o velejador decidiu que queria repetir a experiência olímpica - "enquanto o meu treinador tratava da burocracia na fronteira, saltei para o teto do jipe UMM onde viajávamos, pus-me a contemplar as estrelas, e nesse preciso momento decidi que queria ir a Atlanta" -, mas sem deixar de concluir, no mesmo período, o curso de Engenharia Mecânica no Instituto Superior Técnico (tinha três anos pela frente). "Quando cheguei ao apartamento em Lisboa, o primeiro ato simbólico foi pegar no televisor e... guardá-lo no armário! Nos três anos seguintes, não saiu de lá. E a minha vida tornou-se extremamente simples: estudava e velejava 365 dias por ano, sempre totalmente dedicado a cada uma das atividades", conta. As carreiras académica e desportiva mostraram--se compatíveis. E a dedicação deu frutos. "Foram quatro anos incríveis. E, no final, todas as peças do puzzle foram encaixando. Entreguei o trabalho de fim de curso em janeiro de 1996 e qualifiquei-me para os Jogos uns meses depois. Foi um dos melhores períodos da minha vida e ainda hoje me leva a sentar-me nas escadarias do Pavilhão Central do IST, contemplar a Fonte Luminosa ao fundo, e agradecer ter tido a oportunidade de viver aquele sonho", sublinha o velejador.
2000. Num palco inesquecível
"Não é todos os dias que se tem oportunidade de velejar tendo como pano de fundo a Ópera de Sydney", diz João Rodrigues. No entanto, não foi só isso que fez dos Jogos Olímpicos de 2000 uma edição igualmente inesquecível para o madeirense: Sydney era mesmo um cenário de sonho para qualquer velejador. "Se não vivesse em Portugal, era em Sydney - e Auckland também... - que gostaria de assentar arraiais. Não é só por ter uma baía lindíssima e águas absolutamente límpidas, apesar das 180 mil almas que diariamente as cruzam a caminho do centro [da cidade]. Não é sequer pelo clima, que, apesar da força do sol no verão, é bastante agradável ao longo do ano. É, acima de tudo, pela cultura náutica que o povo australiano tem", explica o atleta. A paixão dos aussies pelo mar conquistou o madeirense, mesmo tendo limitado a preparação para os Jogos. "No período que antecedeu os Jogos, não treinávamos às quartas-feiras à tarde nem aos sábados, porque com a quantidade de embarcações à vela que se encontravam na baía era literalmente impossível fazer um trajeto linear. Desde os mais rápidos veleiros que existiam na altura até ao pequeno iate familiar, havia de tudo...", lembra. Em Sydney 2000, João Rodrigues foi 18.º na classe Mistral, entre 38 participantes.
2004. Quase medalhado e ponto final
Ao fim de quatro ciclos olímpicos, Atenas - casa dos JO na antiguidade e palco da primeira edição da era moderna (1896) - tinha tudo para marcar a despedida de João Rodrigues. No entanto, a história acabou por ser escrita de outra maneira. "Atenas é que era. Era nestes Jogos Olímpicos, aos 32 "anitos", que iria acabar a minha carreira desportiva. Na altura, achava que já era hora de ganhar juízo e de me dedicar a algo que me garantisse futuro. Afinal, não havia velejadores com mais de 32 anos a competir naquela classe e os meus colegas engenheiros [então conciliava as duas atividades] ganhavam nome na praça", recorda o atleta. Na memória do madeirense ficaram as boas sensações da capital helénica - lutou até ao final pelas medalhas, ficando na 6.ª posição da classe Mistral (34 parti- cipantes). "Vivi Atenas como se fossem os meus derradeiros dias como atleta olímpico. Foram os meus melhores Jogos Olímpicos, aqueles de onde saí com a noção de que podia fazer excelentes resultados. Quis a sorte que tal não se traduzisse numa medalha, mas quando terminaram os JO adormeci sossegado, em paz comigo mesmo", explica. No entanto, meses depois perceberia que aquele não tinha sido o ponto final.
2008. O recomeço e a limpeza chinesa
João Rodrigues nunca imaginou que ia participar nos Jogos Olímpicos de 2008. E, lá chegado, nunca pensou que Qingdao tivesse condições mínimas para receber as provas de vela. Enganou-se. E essas duas histórias marcaram a sua participação nos Jogos de Pequim. O atleta voltou a dedicar-se à vela ano e meio após a "despedida", em Atenas 2004. "Depois de ter abandonado a carreira desportiva, fiz a asneira de comprar o equipamento selecionado para os Jogos Olímpicos na China [a classe RS:X substituiu então a Mistral]: era algo totalmente novo, que procurava o melhor de dois mundos dentro do windsurf, com uma prancha inacreditavelmente exigente, mas ao mesmo tempo muito divertida. Não demorou muito até me aperceber de que a fogueira que tinha cá dentro ainda ardia", descreve. Isso fê-lo começar de novo, "do zero", viajando por todo o mundo "onde quer que houvesse mar, vento e amigos com quem treinar", e passando a ter Búzios (Brasil) como uma segunda casa. No entanto, após garantir o apuramento olímpico, o velejador temeu que a competição estivesse "condenada ao fracasso", porque o mar de Qingdao (650km a sul de Pequim) estava coberto por "um manto de algas verdes" a apenas três meses do início dos Jogos. Então, aconteceu: "Umas 150 mil pessoas apareceram do nada, em pequenos barcos de madeira com ruidosos motores, e limparam tudo", descreve. As regatas decorreram sem problemas - "não encontrámos nem vestígios" - e o português terminou em 11.º, entre 35 atletas.
2012. A desilusão do clima britânico
Dos últimos Jogos Olímpicos - e da preparação até lá -, João Rodrigues guarda uma recordação cinzenta: o clima britânico. "Fui enganado", reclama o velejador. "Em 2009, o nosso mundial foi realizado em Weymouth [200 km a sudoeste de Londres], palco das regatas de vela olímpica. Passei quase todo o verão naquela pitoresca cidade e foi um período incrível, com sol quase todos os dias, sempre algum vento e uma temperatura tão agradável que nos esquecemos que estávamos em Inglaterra. Entusiasmado, fiz-me sócio de um clube local, aluguei um apartamento por quatro anos e nos anos seguintes, a partir de maio, mudava-me de armas e bagagens para Weymouth", conta o velejador. No entanto, nunca mais encontrou esse clima soalheiro. "Foi então que percebi aquela pancada dos ingleses pelos boletins meteorológicos. E ainda mais o ditado: "Acha que o tempo não está bom? Espere uma hora. Vai piorar!" De ano para ano, à medida que nos aproximávamos dos JO, o tempo foi mostrando por que os súbditos de Sua Majestade gostam tanto da Madeira ou do Algarve. Antes dos Jogos Olímpicos, tivemos o mês mais chuvoso dos últimos 30 anos. E mesmo em pleno agosto mal vimos o sol", recorda João Rodrigues. Isso não impediu que acabasse a competição, uma vez mais, na metade cimeira da tabela (14.º entre os 38 participantes em RS:X). Mas o atleta não esconde a alegria que teve em abandonar o Reino Unido e regressar a casa debaixo do "inferno tórrido" das planícies espanholas. Este ano, no Rio de Janeiro, deverá ter um clima mais afável (uma reportagem do jornalista do DN-Lisboa, Rui Marques Simões)

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