terça-feira, fevereiro 23, 2016

Opinião: “O erro do assessor - julgar-se indispensável”

É um erro compreensível, humano, e até mesmo ingénuo.
O assessor pode incidir neste erro, e muitos o fazem porque, em primeiro lugar 'houve um momento em que ele foi indispensável' e as evidências desta sua condição, eram óbvias para ele, talvez para alguns outros do círculo mais próximo do líder e, para o seu chefe que, implícita ou explicitamente, demonstrou pensar assim. Quando este 'momento' ocorreu não nos importa aqui. O fato é que ocorreu.
Há ocasiões em que o assessor se supera; em outras, frente a um problema aparentemente sem solução, ele surpreende com uma solução clara, límpida, consistente que permite resolver a dificuldade; outras vezes, seu trabalho é tão intenso, possui tantas delegações de autoridade, que economiza tempo precioso para seu chefe se dedicar a outras acções.
Em condições como estas, insinua-se na mente do assessor uma perigosa convicção: ele é indispensável. Está seguro em sua função porque seu chefe 'depende' dele, 'não conseguiria levar suas actividades sem a sua ajuda e conselho'.
Esta convicção é ainda reforçada pelo fato de que o político ao qual serve, envolve-o em matérias que, de ordinário, não o incluiriam convida-o para reuniões com pessoas de hierarquia muito mais alta que a dele e, volta e meia, demonstra sua confiança, estima e valor ao conversar com ele sobre matérias de ordem pessoal, sobre o seu futuro político e até confidências mais íntimas.
Pode ocorrer que relações desta natureza se mantenham por muitos anos, algumas por toda a carreira do político. Para que isto suceda, é necessário que o chefe seja um tipo especial de político e o assessor, um tipo especial de assessor.
Pessoas muito ambiciosas, competitivas, agressivas acomodam-se com muita dificuldade neste perfil. São indivíduos que estão sempre fazendo novas relações, conhecendo novas pessoas, descobrindo as falhas de sua estrutura de apoio, e as virtudes das dos outros.
São políticos que têm pressa, que buscam 'atalhos', que têm lances ousados, aceitam o risco. Em consequência, são 'políticos compradores' no sentido de mercado. Isto é, estarão sempre dispostos a buscar no mercado, auxiliares que o ajudem a alcançar as metas que se propõem, não hesitando em mudar sua equipe de apoio, quando julgar conveniente.
Não é este o sentimento do assessor. Este desenvolve muitas vezes uma relação de afecto, estima e protecção em relação ao seu chefe que, combinada com aquele sentimento de se perceber indispensável, justifica toda a sorte de sacrifícios pessoais.
Há pois, nestes casos, duas curvas que têm entre si uma relação inversa a do chefe evolui da intimidade pessoal para a instrumentalidade e o distanciamento afectivo; e a do assessor evolui do profissionalismo objectivo para a amizade, admiração, intimidade e lealdade absoluta.
Amparado naquele sentimento de que é insubstituível e indispensável, o assessor aposta na 'folga' de poder e prestígio que possui, não se sentindo ameaçado não chega a fazer uma análise mais detida e mais objectiva da situação.
De repente, envolta numa explicação meio confusa de reformulação do trabalho, amenizada por vagas referências sobre retornarem a trabalhar juntos no futuro próximo, a notícia da sua dispensa chega-lhe como uma bomba. O choque é brutal, sobretudo porque difícil de compreender as razões para ele. O assessor busca na memória suas acções, seus erros e acertos, atrás daquela razão que explicasse a dispensa.
Não é lá que vai encontrar. É na cabeça do político, na sua ambição, na sua postura de 'comprador' dos melhores talentos para ajudá-lo, na sua lealdade condicionada, na disciplina que em silêncio adquiriu para subordinar seus sentimentos aos seus planos, que a verdadeira explicação se encontra.

O sentimento de indispensabilidade é muito gratificante, mas tem o poder de anestesiar o espírito crítico. O assessor deve lembrar-se que foi escolhido por que possuía virtudes de argúcia, lucidez, malícia, subtileza analítica. No poder, não deverá nunca delas se afastar. Deve usá-las em favor de seu chefe, mas deve usá-las, por igual, a seu favor (por Letícia Wacholz, aqui)

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