"Não existe ainda um orçamento para este
trabalho. Fizemos um levantamento preliminar e iniciámos a recuperação de um
caminho, para utilizarmos como modelo e avaliarmos os custos. Depois,
provavelmente vamos recorrer a fundos europeus", explicou à agência Lusa o
diretor regional das Florestas e Conservação da Natureza, Miguel Sequeira. O "caminho real" que está a ser
intervencionado estende-se do Paul do Mar à Ponta do Pargo, percorrendo uma
vasta extensão na zona oeste da ilha, através de uma típica paisagem rural
madeirense, salpicada de poios (socalcos) e palheiros e combinada com nichos de
vegetação mediterrânica endémica.
"Este é o nosso projeto-piloto e vai servir para
avaliarmos o desafio que temos pela frente, pois estamos a falar de uma rede
muito extensa, com técnicas de construção complexas que importa manter,
preservar e repetir", disse Miguel Sequeira, destacando, por outro lado, a
importância dos "caminhos reais" como alternativa aos percursos nas
levadas e na floresta laurissilva. O diretor regional lembrou que a maior parte dos
trilhos utilizados por turistas se encontra acima dos 500 metros, ao passo que
as antigas "estradas reais" cruzam regiões mais baixas, onde é
visível a intervenção humana, mas também onde floresce cerca de 50% dos
endemismos da ilha.
"São paisagens pouco exploradas do ponto de vista
turístico e, no entanto, têm a enorme virtude de serem complementares à
laurissilva", explicou Miguel Sequeira, sublinhando o valor histórico dos
próprios caminhos. "O turista é quem move a economia da Madeira, pelo que
só ficamos a ganhar ao recuperar estradas que têm grande valor cultural e
patrimonial e estão associadas a paisagens pouco exploradas", reforçou.
"Caminho real", ou "estrada real",
é a designação atribuída às principais vias terrestres construídas antes da
implantação da República. Na Madeira, a maior parte surgiu por iniciativa dos
governadores ou dos capitães-generais, funcionando como alternativa e
complemento às ligações marítimas.
"Estas 'estradas reais' não podem ser esquecidas,
porque fazem parte da nossa memória coletiva e, acima de tudo, porque são
exemplo da grande dificuldade que foi construir uma ilha do nada", disse o
diretor do Centro de Estudos de História do Atlântico, o historiador Alberto
Vieira. Diversas localidades na Madeira cresceram e assumiram
importância em torno das rotas de circulação terrestre, funcionando como pontos
de apoio aos viajantes, sejam locais, comerciantes ou estrangeiros, que
começaram a percorrer a ilha com particular ênfase a partir dos séculos
XVIII/XIX. A manutenção desta rede de estradas obrigava a duros
trabalhos, sobretudo após os meses de inverno e tendo em conta a orografia
agreste da ilha, pelo que foi criado um imposto, designado por "roda de
caminho", o qual obrigava toda a população a contribuir com dias de
trabalho. No entanto, os mais abastados podiam revertê-lo em dinheiro.
Os "caminhos reais" começaram a perder
importância com a chegada do automóvel e da moderna rede viária, ao longo do
século XX, e a maior parte caiu no abandono e na ruína. Atualmente, dos 28
percursos pedonais recomendados pelas autoridades (25 Madeira e três no Porto
Santo), apenas 12 são em veredas e antigas "estradas reais"; mas o
interesse na recuperação da velha rede viária mobiliza, agora, o governo e as
câmaras municipais.
"Estas 'estradas reais' são do domínio público e
interessava preservar, se possível, todas as que ainda existem", declarou
Alberto Vieira, sublinhando o esforço despendido ao longo dos séculos na sua
construção. "Mais não seja, estes caminhos são uma imagem e um retrato de
quase 400 anos da nossa história e, portanto, não podem ser esquecidos nem
renegados", vincou (Lusa, SIC)
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