Entendi analisar neste espaço de opinião - na
sequência da posição política assumida pelo novo Governo Regional, sócio
maioritário da empresa, e plasmada na proposta de programa de governo para o
quadriénio 2015-2019 - alguns aspetos relacionados com a problemática em torno
do Jornal da Madeira, particularmente com o seu futuro, numa lógica de tentar
contribuir para que as pessoas percebam do que estamos a falar. E do que está
em cima da mesa. Irreversivelmente.
Basicamente quero retirar qualquer carga emocional,
que no meu caso me poderia condicionar dadas as ligações que tenho ao JM desde
Janeiro de 1974, mas recusando ao mesmo tempo o sectarismo subjacente a algumas
pressões corporativistas bem como qualquer tipo de partidarização oportunista -
aliás à vista de todos - que desemboca na politização excessiva de um assunto
que precisa ser encarado e resolvido com a serenidade que se exige sobretudo
por parte de quem coordena todo o processo de decisão.
Ressalvo, desde logo, que independentemente da
pertinência dos assuntos subjacentes a este processo, sobretudo valorizados
pela realidade conjuntural que atravessamos, parece-me evidente – porque não
podemos escamotear essa realidade - que foram cometidos erros no passado
recente que acabaram por ser determinantes, negativamente, na moldagem da
posição assumida pelo executivo de Miguel Albuquerque.
Não estou a cometer nenhuma inconfidência se
afirmar que já durante a vigência dos últimos governos de Alberto João Jardim,
vários eram os membros do executivo e dirigentes do PSD regional que tinham
relativamente ao "dossier" JM, particularmente ao destinado a dar ao
jornal, uma posição diferente daquela que era sustentada pelo anterior líder do
governo regional e ele próprio antigo diretor do jornal, algo que muitas vezes
é ignorado. Não duvido que João Jardim sabia disso tal como sabia da afirmação,
repetida até à exaustão, que o JM existiria enquanto ele fosse o Presidente do
Governo.
A empresa, que integra o jornal e a Rádio, emprega hoje
cerca de 54 pessoas, número muito inferior ao existente há poucos meses atrás,
redução que resultou de acordos estabelecidos entre a empresa e diversos dos
seus trabalhadores. A empresa privada do Diário de Notícias, que também integra
o jornal e uma rádio (TSF), e que é a concorrente direta do JM, emprega, ao que
julgo saber, à volta de 45 pessoas. Reconhecidamente ambas as empresas estão no
limite.
Pacto Social
O pacto social da empresa detentora do Jornal da
Madeira foi atualizado em Janeiro de 2013. De acordo com o documento em vigor,
a empresa passou a ter um capital social de 4,3 milhões de euros, divididos em
seis quotas pertencentes à RAM (99,98%), ao Seminário Maior e a outros três
sócios individuais, todos com ligações à Diocese do Funchal mas com uma posição
residual. O Conselho de gerência integra dois representantes da RAM, sócia
maioritária, e um gerente não executivo nomeado pelo sócio Seminário Maior
(Diocese do Funchal).
O pacto social manteve o princípio de que é da
competência exclusiva da Diocese (Seminário Maior) a nomeação e substituição do
diretor do JM, bem como definir a sua orientação, "não podendo o regime de
publicação do mesmo jornal ser alterado ou feito sem o voto conforme daquele
Seminário". O pacto social em vigor só pode ser alterado com a
concordância do Seminário (representante da Diocese). Caso a sociedade
detentora do periódico seja dissolvida, o título do jornal será
"obrigatoriamente adjudicado ao Seminário Maior".
Programa de Governo: RTP e rádios locais
O Programa do Governo Regional recentemente
apresentado no Parlamento e que será discutido e votado na próxima semana, no
item dedicado à comunicação social, não deixa dúvidas:
-
cessar a participação obrigatória dos contribuintes na sustentabilidade
financeira do Jornal da Madeira;
-
procurar proteger os postos de trabalho, no sentido de minimizar os impactos
sociais;
-
devolver a uma lógica de mercado concorrencial o pluralismo saudável na
comunicação social da Região;
-
terminar com a brevidade possível a correção do dumping na publicidade e
implementar um preço de capa, até ao último trimestre de 2015;
-
distribuição paritária da publicidade institucional entre os parceiros do
sector.
Curiosamente também no que diz respeito ao futuro
do serviço público de radio e televisão regionais, o atual governo reclama o
“direito da RAM ao já tardio investimento tecnológico que a transporte para os
cânones contemporâneos de imagem, som e comunicabilidade” e não abdica do canal
no circuito de distribuição Televisão Digital Terrestre no Continente Português
e reforço de conteúdos regionais nas plataformas Nacionais e Internacionais da
RTP.
Ao defender a responsabilização do Estado e da RTP
pelo funcionamento do Centro Regional da Madeira, nos termos definidos pelo
contrato de concessão e as obrigações de serviço público, o gabinete de Miguel
Albuquerque prescinde do modelo de regionalização que o anterior executivo de
João Jardim e Cunha e Silva defendiam (e negociaram), o que provavelmente prolongará
a indefinição quanto ao futuro imediato das estruturas locais da RTP e Antena
1, quem sabe mesmo se pondo em causa a continuidade dos dois média. Com esta
coligação de Passos e do CDS em Lisboa dificilmente antevemos o Estado a deixar
tudo como antes.
Ao invés, o programa de governo aponta para a
continuidade dos apoios à “política de
proximidade radiofónica, nomeadamente concelhia e local, sensibilizando os
operadores para a produção de conteúdos próprios e maior ligação das mesmas à
comunidade local” o que significa que as chamadas rádios locais em
atividade na RAM (10 ou 11) continuarão a ser apoiadas pelo orçamento regional,
graças a contratos-programa vigente há alguns anos e que contemplam a
atribuição de apoio financeiro a título de publicidade institucional. A
exigência de um reforço da produção de conteúdos próprios que garantam a
ligação das rádios à comunidade local, embora pessoalmente compreenda a lógica,
dificilmente será exequível, dados os parcos recursos humanos atualmente em
atividade neste sector radiofónico que tem sido penalizado pela crise e pelas
novas tecnologias que a internet disponibilizou.
Repito, na vigência do anterior governo, era voz corrente que o
modelo adotado no JM, sobretudo em termos editoriais e tutelares, existiria
enquanto Alberto João Jardim fosse o Presidente do Governo. Havia uma opção
clara do anterior chefe do governo relativamente ao jornal. Com custos
financeiros significativos gerou-se ao longo dos anos uma polémica alimentada
sobretudo pela dialética radicalizada subjacente ao confronto entre o poder e a
oposição regional e que se complicou com a crise de 2011 gerando uma situação política
complexa e desgastante. Repito, vários eram os membros do anterior governo
regional de então que sustentavam, regra geral em círculos restritos, a
necessidade de ser encontrada uma solução que libertasse o Orçamento Regional
das responsabilidades que tinha para com aquela empresa maioritariamente de capitais
públicos. Outros havia que, por terem alternativas mediáticas - e ou seja,
facilidade de divulgação de notícias pessoais e/ou institucionais favoráveis –
advogavam o encerramento progressivo da empresa, depois de negociações prévias
com a Diocese que desde sempre revelou ao sócio maioritário (Região) não ter
condições financeiras para assumir os encargos decorrentes de uma hipotética
devolução integral do periódico à Igreja.
Lembro que a "entrada"
da Região no capital social da empresa ocorreu julgo que nos anos oitenta,
devido à acumulação de uma dívida significativa da empresa, quer às Finanças,
quer à Segurança Social. A Diocese manteve uma percentagem do capital social meramente
simbólica acrescidas de outras prerrogativas editoriais.
Desafiado
Tenho sido desafiado a escrever o que penso sobre esta questão,
particularmente sobre se a privatização será a melhor opção, começou por
referir que sempre achei – e escrevi-o várias vezes neste meu espaço de opinião
- que o Estado não deveria envolver-se em nenhum, repito, em nenhum meio de
comunicação social, embora admitindo que em situações excecionais e para
garantir a sobrevivência das empresas e dos postos de trabalho o pudesse fazer,
com regras claras, incluindo as temporais.
Mas recuso também, com a mesma veemência, a ideia falsa e
manipuladora de que um jornal, só por ser detido por privados, quer se tratem
de empresários privados individuais, quer sejam grupos empresariais com
interesses próprios, ou mesmo conglomerados empresariais, que isso é por si só
garantia de isenção, de respeito pelos leitores, e de liberdade de expressão
absoluta. Desenganem-se os que assim pensam. Esse tipo de discurso distorce a
realidade, engana as pessoas e esconde uma ingenuidade que não deixa de ser
estranha na abordagem de um tema melindroso e polémico como o da liberdade de
imprensa
Não vale a pena abordarmos um tema demasiado sério,
complexo e polémico como tem sido este, escondendo-nos sob um manto de
hipocrisia ou insistindo na teoria de que existe má-vontade de quem agora
governa a região e o processo de decisão política. Não podemos, não devemos, ir
por aí. Estou absolutamente convencido, repito, que foram dados tiros-nos-pés,
aliás perfeitamente identificados na altura própria, no quadro de uma incorreta
perspetiva de utilização do JM nalgumas situações desajustadas e conflituosas
e, por isso, rodeadas de polémica. Um jornal pertencente ao erário público
teria forçosamente que abrir, notícias e opinião, por forma a respeitar a
pluralidade, a liberdade opinativa e a diferença. Julgo que o JM paga hoje, em
termos de imagem, por esses erros e por uma visão editorial que acabou por ser
a coveira de um projeto jornalístico agora possivelmente condenado. Quem me
dera que estivesse equivocado.
Limitados a apenas um jornal diário – perspectiva
que considero altamente plausível - detido por um grupo empresarial com
legítimos interesses económicos na Madeira, de certeza que o jornalismo
regional não sai reforçado nem fica a ganhar tal como não ficam a ganhar os
cidadãos que são a razão de ser da existência de jornais, rádios e televisões.
Não por causa disso, mas porque a fonte da notícia na imprensa seria única.
Julgo que as pessoas sabem que na Madeira, desde 25 de Abril até
hoje, surgiram alguns projetos jornalísticos privados, muitos deles - a maioria
- sem consistência e sem sustentabilidade financeira, o que explica que tenham
caído uns atrás dos outros. Os dois últimos resistentes foram o Notícias da
Madeira, numa 2ª versão de privados, entre os quais a empresa que edita o DN
local, e o Diário Cidade, gratuito, que tinha subjacente uma empresa gráfica,
com todas as facilidades que daí resultam. Também o semanário Eco do Funchal,
que durante anos circulava normalmente, ligado também a uma empresa gráfica,
deixou de ser publicado, podendo estar em reestruturação que pode significar a
sua não continuidade no panorama da imprensa regional. Na altura, lembro-me, o projeto
Notícias da Madeira chegou a ser falado como a alternativa a uma evolução
pretendida então para o Jornal da Madeira que deixaria de pertencer ao sector
público gradualmente. O Diário Cidade depois de ter abandonado a sua edição em
papel manteve-se durante cerca de 3 anos com a edição digital mas recentemente
acabou por abandonar esse projeto. Penso que existe uma razão concreta: o
público madeirense consumidor de informação continua a não valorizar, tal como
o faz com os blogues, as edições digitais de jornais sem versão em papel. A
nível nacional o Dinheiro Vivo (economia e finanças) é uma versão digital
procurada mas que ao sábado é impressa juntamente com o DN de Lisboa a quem
está ligado. O Observador, projeto jornalístico recentemente surgido (pouco
mais de um ano), continua a ser o único em Portugal sem a opção pela impressão
em papel. Resta saber até quando.
Ressalvando as diferenças e as
devidas proporções, isto faz-me lembrar uma "guerra", no passado
recente, protagonizada por duas agências noticiosas, uma privada (Notícias de
Portugal, NP) e outra pública (ANOP) que disputavam entre si o mesmo mercado,
tinham os mesmos clientes e pouco ou nada mais podiam fazer para alterar essa
situação. Anos depois de ter surgido o projeto privado NP a história - e a
história é que conta – percebeu-se que tudo dependia do apoio financeiro do
estado. Um acordo empurrado pelo próprio governo de então deu origem à Lusa,
uma terceira agência alternativa - as outras duas, NP e ANOP, encerraram -
reunindo 51% de capital público e 49% privado - que ainda hoje existe, com
crescentes dificuldades e convulsões internas, rodeada de grandes incertezas,
graças ao facto de ter sido alterado ao longo dos anos o contrato-programa
celebrado com o Estado e que garantia à Lusa os meios para se difundir pelo
mundo e os recursos humanos necessários à sua atividade. Não havia, por assim
dizer, uma "guerra" entre privados e sector público porque não podia
haver. Não existiam protagonistas suficientes para isso e no fundo, tudo espremido,
de uma forma ou de outra, todos dependiam da mesma fonte abastecedora.
Se, por exemplo, constatarmos que
na imprensa regional – e estou apenas a dar um exemplo - há empresas privadas que
fecham exercícios anuais recentes com um prejuízo situado entre os 1,5 e 2
milhões de euros, a questão que se coloca é apenas esta: como é que alguém
sobrevive, nesta conjuntura de crise a todos os níveis, desde a publicitária à própria
crise de leitores/compradores com reflexos nas tiragens, crise essa que ainda
persiste, sem recorrer, direta ou indiretamente, à mesma torneia, de onde cada
vez pinga menos o que significa dizer que se muitos dela dependerem menos
"pingos" chegam a todos e na quantidade desejada (LFM/JM)
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