sábado, fevereiro 28, 2015

Medo: a vida no "Charlie Hebdo", que agora é um jornal rico, já não é a mesma

Escreve o Expresso, num texto do jornalista Daniel Ribeiro, que "o "Charlie Hebdo" regressou esta quarta-feira à normalidade das edições semanais. Mas a vida no coração do jornal satírico francês mudou depois do atentado. "Charlie" ficou assombrado pelo terror, há muito medo e debate sobre o futuro. O “Charlie Hebdo” regressou esta quarta-feira às edições semanais, como antigamente. Trata-se de uma tentativa de regresso à normalidade. Mas a normalidade é aparente porque nada mais será como dantes. Têm trabalhado, sempre sob tensão extrema, num autêntico bunker. Provisoriamente instalados na sede do diário "Libération", numa pequena rua a dois passos da Praça da República, em Paris, os trabalhadores do "Charlie Hebdo" estão protegidos em permanência pela polícia. Para lá entrar, mesmo que seja apenas para ir à redação do "Libération", toda a gente tem de ter encontro previamente marcado e é, mesmo assim, controlada pelos agentes da polícia. Será igualmente assim quando brevemente mudarem para a nova sede do semanário, que a Câmara do bairro número 13 (na zona da Praça de Itália) lhes propôs.
Todos os trabalhadores do "Charlie Hebdo" vivem um dia a dia de medo. Os sobreviventes do ataque terrorista de janeiro (12 mortos, entre eles cinco grandes nomes de referência da caricatura francesa) reconhecem-no e alguns dizem dormir mal. Os pesadelos constantes perturbam-nos. Devido ao receio de novos atentados, um desenhador pediu para trabalhar a partir de casa, alguns funcionários até terão pedido para sair do jornal. Três das vítimas que ficaram gravemente feridas ainda estão internadas num hospital. Mas o medo - por exemplo, o atual diretor, Riss, baleado com gravidade numa omoplata durante o ataque terrorista, vive sob a ameaça de uma fatwa - não é o único problema. A redação foi dizimada, faltam desenhadores e há também a questão de agora serem uma empresa rica e próspera. Estavam falidos antes do atentado levado a cabo pelos irmãos Kouachi, tinham poucos leitores e agora têm mais de dez milhões de euros e 200 mil novos assinantes. Venderam cerca de oito milhões de exemplares do histórico "número dos sobreviventes", o primeiro depois da tragédia. Esta quarta-feira, a edição que retomou a periodicidade semanal teve uma tiragem de 2,5 milhões.
Além do dinheiro das vendas, o jornal recebeu cerca de 2,5 milhões de euros em donativos, a maior parte oferecido por particulares (1,75 milhões). A Google, por exemplo, deu-lhes 200 mil euros."É um novo pesadelo, todo este dinheiro pode matar-nos", diz o médico Patrick Pelloux, um dos cronistas. Na redação há debates e divergências sobre a forma de gerir o dinheiro, sobre o tipo de empresa que o deverá dirigir. Uns propõem a criação de uma cooperativa, outros que as partes que as vítimas mortais tinham na sociedade sejam distribuídas pelos nomes mais conhecidos. Por exemplo, a Luz, cujos desenhos fazem habitualmente as primeiras páginas do "Charlie Hebdo", foi proposto que ficasse com os 40% que Charb, antigo diretor assassinado, detinha na sociedade. O famoso caricaturista recusou - é um dos que defende a criação de uma cooperativa. A maioria pede transparência na gestão, mas tudo ainda é muito vago. As polémicas ainda não estão completamente na praça pública, mas existem. É por exemplo criticada a decisão da nova direção de contratar uma agência de comunicação para lhes gerir a imagem. Curiosamente, trata-se da mesma agência que trabalha para Dominique Strauss-Kahn, que tem sido um dos alvos privilegiados da sátira do "Charlie". "Acho normal que tivéssemos contratado uma agência de comunicação, precisamos de gente profissional porque nós não temos tempo para tudo", explica Riss.
Redação perdeu o espírito brincalhão dominante
Transformado em símbolo mundial da liberdade de imprensa, o "Charlie Hebdo" regressou a partir desta quarta-feira às edições semanais, como antigamente. Trata-se de uma tentativa de regresso à normalidade. Mas a normalidade é aparente porque nada mais será como dantes. As reuniões da redação já não são risonhas e bem-humoradas, como eram no passado. Os assassinos mataram a um tempo pessoas e o espírito brincalhão e despreocupado que dominava o jornal. O traumatismo - muitos viram os mortos ao lado deles, os feridos a gritar, todos num banho de sangue - sente-se logo à entrada, na sede provisória. O medo e o terror existem e todos os principais nomes vivem um dia a dia de paranoia. Tentam sorrir e brincar, mas naturalmente não conseguem fazê-lo como acontecia antes do horror vivido no dia 7 de janeiro. Mesmo a sua vivência privada mudou radicalmente. A vida no interior de "Charlie Hebdo" também mudou. Completamente"