segunda-feira, junho 30, 2014

Opinião: Revisão Constitucional e riscos (II)

"Não vou discutir, neste momento, todas as questões que se colocam à volta da apresentação do projeto de revisão constitucional por parte do PSD da Madeira, embora tenhamos a consciência de que existem vários itens que obviamente precisam ser considerados. A decisão de avançar com este projeto, aliás debatido e votado na Assembleia Regional em Abril de 2013 – que embora não tendo poderes constitucionais para avançar com uma revisão da lei fundamental, pode contudo tomar posições políticas sobre este tema e recomendar aos deputados regionais em São Bento, caso queiram, o aproveitamento das propostas aprovadas – foi tomada pelo PSD regional ainda no ano passado. De um âmbito mais restrito, regional e autonómico, passou-se entretanto para uma versão de amplitude mais alargada, nacional, o que explica a demora na apresentação em Lisboa da iniciativa. Também justificada pela realidade política nacional, condicionada pela presença da “troika” em Portugal e por haver prioridades bem mais importantes e urgentes.
A verdade é que os autores corriam riscos políticos. Desde logo por causa do timing escolhido para apresentar a iniciativa, relativamente ao qual tenho muitas dúvidas. Dúvidas que resultam basicamente do quê?
Em primeiro lugar, se é legítimo que qualquer deputado da Assembleia da República apresente um projeto de revisão constitucional – só eles o podem fazer! – é sabido que em Portugal, sem o envolvimento dos três partidos centrais, PSD, PS e CDS, não há revisão constitucional possível. Ou seja, façam os deputados do PSD da Madeira o que fizerem, sem esse acordo nada feito, porque nada é aprovado. Por outro lado, face às reações surgidas, parece-me óbvio que o processo estará condenado ao fracasso. Paradoxalmente, ou talvez não, o primeiro empurrão veio do PSD nacional por via de um porta-voz – regra geral conotado com a chamada "ala barrosista", se é que ela existe… – que não só desvalorizou o projeto, como o circunscreveu a uma iniciativa isolada dos deputados da Madeira, ressalvando mesmo que estes não concertaram nada (nem tinham que o fazer) com a direção nacional. Foi muito claro quando garantiu que o PSD não se revia no documento, que tinha reservas e mesmo visões diferentes (sic) relativamente a vários dos pontos constantes do documento – um deles a extinção do Tribunal Constitucional – e que essas divergências versavam também algumas propostas relacionadas com a autonomia que não identificou.
Ora é aqui que a situação, em meu entender se complica, já que  o PSD da Madeira devia exigir uma clarificação por parte do PSD nacional: afinal, e atendendo às propostas de incidência autonómica que constam do projeto, quais são as propostas que o PSD de Coelho não concorda? Estará o PSD de Coelho a padecer dos mesmos males do PP espanhol envolvido numa espécie de “ guerra surda e suja” contra as autonomias, que passa pela redução das suas competências, pela revisão forçada do défice de cada Comunidade a que se juntam pressões com base nas transferências financeiras de Madrid para cada capital autonómica? Concretamente, quais são as propostas que Coelho e o bando que com ele tomou de assalto o PSD nacional discordam no quadro de uma necessária clarificação das disposições constitucionais autonómicas?
Tudo o resto vale o que vale, com o devido respeito.
Sabendo-se que o PS neste momento está mergulhado numa enorme confusão interna, com cenas de agressões, insultos, discursos exaltados, suspeições de manipulação do processo interno, etc, a que não falta o envolvimento da Procuradoria-geral da República a investigar acontecimentos ocorridos em Ermesinde, parece-me óbvio que os socialistas recusarão sempre qualquer revisão constitucional. Com "diretas" em Setembro o PS e demais partidos vão centrar a atenção no Orçamento de Estado para 2015 que pode ser decisivo para se garantir, ou não, a estabilidade política necessária à continuidade desta a legislatura até o seu prazo, Outubro de 2015.
No tocante à revisão constitucional, e apesar do PSD da Madeira defender essa extinção do TC há muitos anos, o pior que podia acontecer neste momento era propor exatamente isso. E percebe-se com a maior facilidade deste mundo: O Tribunal Constitucional - e não vou discutir se bem ou mal, nem abordarei as causas para aparentemente isso acontecer - transformou-se numa espécie de bandeira para os partidos da esquerda na oposição e para as estruturas sindicais por eles controladas, que usam o TC como uma arma de arremesso contra a política governativa em Lisboa. Se a maioria na Assembleia da República aprova qualquer medida com a qual a esquerda e os sindicatos discordam ou dizem ser a mesma potencialmente inconstitucional, toca a solicitar a fiscalização sucessiva da legislação em causa, com as consequências que depois, em caso de inconstitucionalidades efetivas (que por vezes parecem demasiado óbvias para serem ignoradas...), estão à vista de todos" (LFM)