quarta-feira, janeiro 29, 2014

Reportagem: "A saia ao lado de Ronaldo"



“Carla da Cruz Mouro conseguiu em 2006 pôr 100 jovens da Comunidade de Países de Língua Portuguesa a vestir t-shirts brancas que diziam: ‘Teste do HIV? Já fizemos, e tu?', na Guiné-Bissau. No mesmo ano, exigiu aulas de educação sexual para as escolas portuguesas. Mas ninguém decorou o seu nome nessa altura. Graças a uma certa saia branca - que sobressaiu com distinção no meio dos fatos escuros que povoaram a cerimónia de condecoração de Cristiano Ronaldo no Palácio de Belém - dificilmente haverá quem não o saiba agora.  A consultora de Cavaco Silva para os Assuntos da Juventude e do Desporto tem sido tema de conversa no País inteiro. Além da indumentária também terá ajudado a atenção que dedicou ao Bola de Ouro - e a fotografia que tiraram juntos em pose sorridente para a posteridade. Em Montes da Senhora, uma freguesia de Proença-a-Nova com pouco mais de 700 habitantes, em Castelo Branco - onde nasceu há 36 anos -, não há quem não esteja orgulhoso de a ter visto ao lado do internacional português. "Ela já tinha aparecido na televisão ao lado do Cavaco Silva e do Durão Barroso, mas o Cristiano Ronaldo é assim da alta sociedade, a mãe dela deve ter ficado contente, que mãe não ficaria por ver a sua filha tão bem acompanhada?" - pergunta, retoricamente, uma moradora da pequena freguesia. A mesma conterrânea lembra-se da assessora desde "a escola primária. Sempre foi muito dedicada à família. Antes de ir para Lisboa estudar - e quando vinha de férias a Montes da Senhora - ajudava os pais no café de que eram proprietários".
O pai da consultora do Presidente da República já morreu, mas sempre que pode - "pelo menos uma vez por mês" -, Carla vai visitar a mãe, que continua à frente do mesmo estabelecimento, "para lhe dar apoio, uma vez que está viúva", conta outro conterrâneo, preferindo não se identificar. As duas irmãs da assessora, Helena e Elisabete (Carla é a do meio) - ambas da área empresarial -, também moram em Lisboa, pelo que o contacto entre elas é "bastante regular".
Sem papas na língua
Carla frequentou a escola primária da freguesia e logo de seguida a Escola Pedro da Fonseca, em Proença-a-Nova. Aos 18 anos rumou a Lisboa e ao curso de Relações Internacionais, na Universidade Lusíada. Cedo se interessou pelos bastidores da política. "Não tinha filiação partidária, sempre foi independente", conta uma fonte da Presidência, que priva com Carla desde o convite de Cavaco. Há, no entanto, quem fale de uma ligação à JSD no fim da adolescência. Uma coisa é certa: enquanto foi presidente do Conselho Nacional da Juventude (entre 2002 e 2008, tendo sido a primeira mulher a ocupar o cargo), Carla Mouro disparou contra a esquerda e contra a direita. Em 2004, o alvo era o governo de Durão Barroso. "Os jovens sentem-se frustrados com a forma como o País está e a política que existe. O governo ignora os jovens, porque nunca fomos ouvidos. O primeiro-ministro, o ministro adjunto da tutela e o secretário de Estado da Juventude nunca nos receberam", disse ao Correio da Manhã em março desse ano. Dois anos depois, estava já José Sócrates ao comando dos destinos do País, Carla insistia: "É preciso parar com as políticas de remendo (...). A primeira medida, fundamental para os jovens, é parar com as ideias megalómanas dos governos, que consideram que o desenvolvimento do País está nas grandes obras, não se investindo naquilo que é, e deve ser, o pilar forte da nação, as pessoas e neste caso os jovens", desabafou ao jornal albicastrense ‘A Reconquista'. No mesmo ano garantia ao Correio da Manhã "o estado triste da juventude", nomeadamente no "acesso difícil a casa própria, na incidência das doenças sexualmente transmissíveis, da gravidez na adolescência, na falta de perspetivas de emprego". Antes de aceitar a presidência do CNJ - que a levou a muitas partes do Mundo, na organização de encontros e cimeiras para a juventude -, Carla Mouro foi presidente da assembleia geral do mesmo organismo que teve como primeiro presidente António José Seguro. Mas foi Jorge Barreto Xavier, atual secretário de Estado da Cultura, quem a propôs a presidente. "Foi mérito dela (...) a concretização dos objetivos traçados em 1999, desde a re-entrada da Juventude Social-Democrata, Juventude Socialista e Juventude Centrista, à obtenção de sede própria e legalização do estatuto jurídico do Conselho Nacional da Juventude. Já por sua iniciativa promoveu uma série de programas nacionais e internacionais (...)", escreveu o próprio em documento. Carla Mouro também foi a primeira mulher presidente do Fórum da Juventude da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (entre 2004 e 2008); a representante portuguesa na Cimeira Mundial de Jovens Líderes, a responsável pela organização do primeiro Encontro Mundial de Jovens Lusodescendentes e colaborou na elaboração do Livro Branco para as Políticas de Juventude da União Europeia. O currículo é extenso, mas foi quando coordenou o Comité Permanente da Comissão Organizadora da primeira Cimeira Europa-África da Juventude, realizada em Lisboa, em 2007, que Cavaco Silva reparou nela.
"O Presidente ficou muito impressionado com a Carla. Via-se que ela percebia realmente do que estava a falar e já depois de começar a trabalhar com ela conquistou-o porque a Carla lhe levava as histórias dos jovens reais, as suas preocupações e dramas mais prementes. E mais do que isso: fazia-o sem medos, em muito por causa da sua experiência no terreno", conta fonte ligada à Presidência da República. Chegou à Presidência em 2008, mas foi em 2011 que foi nomeada consultora da Casa Civil. Quem a conhece diz que é "ambiciosa e extremamente trabalhadora. Gosta muito do universo da política, nomeadamente a que envolve assuntos internacionais". Em julho de 2011, na sua página pessoal do Facebook, escreveu: "(...) O bom senso diz-me que passados 37 anos do 25 de Abril é tempo de uma nova geração assumir responsabilidades, e parece-me que é tempo da audácia de uns e a experiência de outros se unirem. É tempo de solidariedade intergeracional.
Tal como dizia Picasso: ‘Leva muito tempo a tornarmo-nos jovens.'
Recentemente - e em público - interveio num debate sobre emprego, estratégia e desenvolvimento: "Para as novas gerações, parece restar a certeza de que os próximos tempos serão piores do que os anteriores, e as desigualdades sociais serão cada vez mais gritantes (...). O Mundo desmorona-se entre fantasias e ilusões", disse antes de citar os números do desemprego jovem em Portugal e na Europa. Quem com ela lida nos corredores do Palácio de Belém sabe que "é hábil a conciliar a vida pessoal com a vida profissional. Passou por uma doença complicada e por causa disso teve de fazer tratamentos para conseguir engravidar, mas há cinco anos foi mãe e toda a gente se comoveu com a alegria dela". Tanto que o filho da consultora é conhecido por todos na Presidência. "Até Cavaco Silva o quis conhecer, porque ser mãe foi mesmo muito importante para ela", conta outra fonte. Carla da Cruz Mouro conheceu o marido, um gestor também natural de Proença-a-Nova, na juventude.
Discreta e reservada
Sobre o acontecimento que a tornou viral nas redes sociais diz um amigo: "É extremamente discreta. Não quer agitar bandeiras nem vangloriar-se." Quem a conhece há mais tempo não se lembra de que seja devota a algum clube de futebol ou que tenha sido federada em algum desporto. "O cargo que ela agora ocupa também engloba o desporto, mas a real vocação da Carla é a juventude e os seus problemas." Como líder do Conselho Nacional da Juventude, Carla foi voluntária não remunerada, pelo menos nos primeiros anos. "A função é um prémio porque é uma escola de aprendizagem, onde se aprende a gerir recursos humanos e a administrar financeira e politicamente", disse em 2004 ao Correio da Manhã. Na área da diversidade, integração e igualdade de género, o grupo que presidiu propôs a permissão do casamento entre homossexuais (numa altura em que o tema estava bem longe da agenda política), a implementação de penas exemplares para os crimes de violência doméstica e o reforço da educação para a cidadania. O mesmo organismo defendeu a fiscalização e punição para as assimetrias salariais entre homens e mulheres. Também foi pela mão dela que muitas das campanhas de choque de prevenção das doenças sexualmente transmissíveis, alcoolismo e toxicodependência foram para a frente em Portugal. Na Casa Civil, onde atualmente trabalha, "soube fazer-se respeitar. Começou muito nova e nos organismos por onde passou foi muitas vezes a primeira mulher a assumir a liderança, o que lhe deu ‘estaleca' para se afirmar", conta um colega de trabalho. "Sempre foi uma mulher bonita, mas a postura reservada nunca deu azo a que isso fosse muito valorizado." Até ao dia em que uma saia branca ofuscou o brilho do craque” (reportagem da jornalista do Correio da Manhã, Marta Martins Silva, com a devida vénia)