“Carla da Cruz Mouro conseguiu em 2006 pôr 100 jovens
da Comunidade de Países de Língua Portuguesa a vestir t-shirts brancas que
diziam: ‘Teste do HIV? Já fizemos, e tu?', na Guiné-Bissau. No mesmo ano,
exigiu aulas de educação sexual para as escolas portuguesas. Mas ninguém
decorou o seu nome nessa altura. Graças a uma certa saia branca - que
sobressaiu com distinção no meio dos fatos escuros que povoaram a cerimónia de
condecoração de Cristiano Ronaldo no Palácio de Belém - dificilmente haverá
quem não o saiba agora. A consultora de
Cavaco Silva para os Assuntos da Juventude e do Desporto tem sido tema de
conversa no País inteiro. Além da indumentária também terá ajudado a atenção
que dedicou ao Bola de Ouro - e a fotografia que tiraram juntos em pose
sorridente para a posteridade. Em Montes da Senhora, uma freguesia de
Proença-a-Nova com pouco mais de 700 habitantes, em Castelo Branco - onde
nasceu há 36 anos -, não há quem não esteja orgulhoso de a ter visto ao lado do
internacional português. "Ela já tinha aparecido na televisão ao lado do
Cavaco Silva e do Durão Barroso, mas o Cristiano Ronaldo é assim da alta
sociedade, a mãe dela deve ter ficado contente, que mãe não ficaria por ver a
sua filha tão bem acompanhada?" - pergunta, retoricamente, uma moradora da
pequena freguesia. A mesma conterrânea lembra-se da assessora desde "a
escola primária. Sempre foi muito dedicada à família. Antes de ir para Lisboa
estudar - e quando vinha de férias a Montes da Senhora - ajudava os pais no
café de que eram proprietários".
O pai da consultora do Presidente da República já
morreu, mas sempre que pode - "pelo menos uma vez por mês" -, Carla
vai visitar a mãe, que continua à frente do mesmo estabelecimento, "para lhe
dar apoio, uma vez que está viúva", conta outro conterrâneo, preferindo
não se identificar. As duas irmãs da assessora, Helena e Elisabete (Carla é a
do meio) - ambas da área empresarial -, também moram em Lisboa, pelo que o
contacto entre elas é "bastante regular".
Sem papas na língua
Carla frequentou a escola primária da freguesia e logo
de seguida a Escola Pedro da Fonseca, em Proença-a-Nova. Aos 18 anos rumou a
Lisboa e ao curso de Relações Internacionais, na Universidade Lusíada. Cedo se
interessou pelos bastidores da política. "Não tinha filiação partidária,
sempre foi independente", conta uma fonte da Presidência, que priva com
Carla desde o convite de Cavaco. Há, no entanto, quem fale de uma ligação à JSD
no fim da adolescência. Uma coisa é certa: enquanto foi presidente do Conselho
Nacional da Juventude (entre 2002 e 2008, tendo sido a primeira mulher a ocupar
o cargo), Carla Mouro disparou contra a esquerda e contra a direita. Em 2004, o
alvo era o governo de Durão Barroso. "Os jovens sentem-se frustrados com a
forma como o País está e a política que existe. O governo ignora os jovens,
porque nunca fomos ouvidos. O primeiro-ministro, o ministro adjunto da tutela e
o secretário de Estado da Juventude nunca nos receberam", disse ao Correio
da Manhã em março desse ano. Dois anos depois, estava já José Sócrates ao
comando dos destinos do País, Carla insistia: "É preciso parar com as
políticas de remendo (...). A primeira medida, fundamental para os jovens, é
parar com as ideias megalómanas dos governos, que consideram que o
desenvolvimento do País está nas grandes obras, não se investindo naquilo que
é, e deve ser, o pilar forte da nação, as pessoas e neste caso os jovens",
desabafou ao jornal albicastrense ‘A Reconquista'. No mesmo ano garantia ao
Correio da Manhã "o estado triste da juventude", nomeadamente no
"acesso difícil a casa própria, na incidência das doenças sexualmente
transmissíveis, da gravidez na adolescência, na falta de perspetivas de
emprego". Antes de aceitar a presidência do CNJ - que a levou a muitas
partes do Mundo, na organização de encontros e cimeiras para a juventude -,
Carla Mouro foi presidente da assembleia geral do mesmo organismo que teve como
primeiro presidente António José Seguro. Mas foi Jorge Barreto Xavier, atual
secretário de Estado da Cultura, quem a propôs a presidente. "Foi mérito
dela (...) a concretização dos objetivos traçados em 1999, desde a re-entrada
da Juventude Social-Democrata, Juventude Socialista e Juventude Centrista, à
obtenção de sede própria e legalização do estatuto jurídico do Conselho
Nacional da Juventude. Já por sua iniciativa promoveu uma série de programas
nacionais e internacionais (...)", escreveu o próprio em documento. Carla
Mouro também foi a primeira mulher presidente do Fórum da Juventude da
Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (entre 2004 e 2008); a representante
portuguesa na Cimeira Mundial de Jovens Líderes, a responsável pela organização
do primeiro Encontro Mundial de Jovens Lusodescendentes e colaborou na
elaboração do Livro Branco para as Políticas de Juventude da União Europeia. O
currículo é extenso, mas foi quando coordenou o Comité Permanente da Comissão
Organizadora da primeira Cimeira Europa-África da Juventude, realizada em
Lisboa, em 2007, que Cavaco Silva reparou nela.
"O Presidente ficou muito impressionado com a
Carla. Via-se que ela percebia realmente do que estava a falar e já depois de
começar a trabalhar com ela conquistou-o porque a Carla lhe levava as histórias
dos jovens reais, as suas preocupações e dramas mais prementes. E mais do que
isso: fazia-o sem medos, em muito por causa da sua experiência no
terreno", conta fonte ligada à Presidência da República. Chegou à
Presidência em 2008, mas foi em 2011 que foi nomeada consultora da Casa Civil.
Quem a conhece diz que é "ambiciosa e extremamente trabalhadora. Gosta
muito do universo da política, nomeadamente a que envolve assuntos
internacionais". Em julho de 2011, na sua página pessoal do Facebook,
escreveu: "(...) O bom senso diz-me que passados 37 anos do 25 de Abril é
tempo de uma nova geração assumir responsabilidades, e parece-me que é tempo da
audácia de uns e a experiência de outros se unirem. É tempo de solidariedade
intergeracional.
Tal como dizia Picasso: ‘Leva muito tempo a
tornarmo-nos jovens.'
Recentemente - e em público - interveio num debate
sobre emprego, estratégia e desenvolvimento: "Para as novas gerações,
parece restar a certeza de que os próximos tempos serão piores do que os
anteriores, e as desigualdades sociais serão cada vez mais gritantes (...). O
Mundo desmorona-se entre fantasias e ilusões", disse antes de citar os
números do desemprego jovem em Portugal e na Europa. Quem com ela lida nos
corredores do Palácio de Belém sabe que "é hábil a conciliar a vida
pessoal com a vida profissional. Passou por uma doença complicada e por causa
disso teve de fazer tratamentos para conseguir engravidar, mas há cinco anos
foi mãe e toda a gente se comoveu com a alegria dela". Tanto que o filho
da consultora é conhecido por todos na Presidência. "Até Cavaco Silva o
quis conhecer, porque ser mãe foi mesmo muito importante para ela", conta
outra fonte. Carla da Cruz Mouro conheceu o marido, um gestor também natural de
Proença-a-Nova, na juventude.
Discreta e reservada
Sobre o acontecimento que a tornou viral nas redes
sociais diz um amigo: "É extremamente discreta. Não quer agitar bandeiras
nem vangloriar-se." Quem a conhece há mais tempo não se lembra de que seja
devota a algum clube de futebol ou que tenha sido federada em algum desporto. "O
cargo que ela agora ocupa também engloba o desporto, mas a real vocação da
Carla é a juventude e os seus problemas." Como líder do Conselho Nacional
da Juventude, Carla foi voluntária não remunerada, pelo menos nos primeiros
anos. "A função é um prémio porque é uma escola de aprendizagem, onde se
aprende a gerir recursos humanos e a administrar financeira e
politicamente", disse em 2004 ao Correio da Manhã. Na área da diversidade,
integração e igualdade de género, o grupo que presidiu propôs a permissão do
casamento entre homossexuais (numa altura em que o tema estava bem longe da
agenda política), a implementação de penas exemplares para os crimes de
violência doméstica e o reforço da educação para a cidadania. O mesmo organismo
defendeu a fiscalização e punição para as assimetrias salariais entre homens e
mulheres. Também foi pela mão dela que muitas das campanhas de choque de
prevenção das doenças sexualmente transmissíveis, alcoolismo e
toxicodependência foram para a frente em Portugal. Na Casa Civil, onde
atualmente trabalha, "soube fazer-se respeitar. Começou muito nova e nos
organismos por onde passou foi muitas vezes a primeira mulher a assumir a
liderança, o que lhe deu ‘estaleca' para se afirmar", conta um colega de
trabalho. "Sempre foi uma mulher bonita, mas a postura reservada nunca deu
azo a que isso fosse muito valorizado." Até ao dia em que uma saia branca
ofuscou o brilho do craque” (reportagem da jornalista do Correio da Manhã, Marta
Martins Silva, com a devida vénia)