domingo, agosto 25, 2013

Directores de faculdades querem avaliar vocação dos futuros médicos

Segundo o Jornal I, “os directores das faculdades de Medicina do Porto ou da Nova de Lisboa defendem entrevistas ou provas de aptidão para seleccionar candidatos. Horácio é famoso por defender Roma de invasores estrangeiros. A. Verdadeiro; B. Falso, C. Não sei. Que tem esta pergunta a ver com medicina? Se não sabe bem se Hipócrates era grego ou romano, esqueça (até porque era grego). Aparece num teste obrigatório para os candidatos a Medicina no Reino Unido - devem conseguir extrair a resposta de um texto de enquadramento. Há também desafios de descodificação ou de pensamento abstracto como os puzzles dos testes de QI e dilemas clínicos. Todos os anos, os alunos que terminam o secundário têm o Verão para fazer o teste de aptidão clínica (UKCAT), requisito obrigatório em 26 das 31 universidades que oferecem o curso. Sem este exame, não podem fazer a candidatura, mesmo com um currículo irrepreensível e ainda que a maioria das escolas diga que a prova pesa pouco na selecção, que inclui também entrevista. Em Portugal a entrada baseia-se só nas notas. Será suficiente?
A discussão tem andado esquecida, mas quem está na profissão lembra que foi alvo de muitos debates no final dos anos 80. José Caldas de Almeida, director da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Nova de Lisboa, recorda experiências com entrevistas de selecção de candidatos em Lisboa, algo que hoje só acontece no curso do Algarve para licenciados. "Sou um defensor de entrevistas: as qualidades para ser um bom médico não se limitam ao conhecimento. A razão para nunca se terem generalizado é basicamente uma: com o número de candidatos sempre a subir tornava-se impossível montar um sistema fiável e justo."
O argumento a favor de uma selecção diferente é que as qualidades exigidas a quem quer ser um bom aluno e mais tarde um bom médico não se limitam ao que se aprende nos livros. António Vaz Carneiro, professor da Universidade de Medicina de Lisboa, diz que essa é a parte simples do problema. A complexa é que, se Medicina tem 1517 e a média mais alta, é por ser o mais procurado. "Ninguém sabe ao certo quantos candidatos temos, mas são sempre milhares. Isso criaria sempre um problema de selecção. Podemos experimentar vários modelos, mas ficámo-nos pela nota. É o processo que temos, longe de ser o ideal. É possível mudar mas seria caro. Quantos avaliadores, psicólogos e analistas seriam precisos?"
A ideia é partilhada pelo director da Faculdade de Medicina do Porto. Para José Agostinho Marques, a selecção dos estudantes é inadequada, por não incluir critérios vocacionais. "Houve sucessivas comissões para estudar o assunto e avançar propostas. Nunca houve consenso suficiente para vencer as resistências", lembra. Até por implicar uma mudança de paradigma: o modelo de acesso às universidades públicas baseado nas notas.
Além do número de candidatos, a ideia esbarraria ainda numa "desconfiança" habitual entre os portugueses, aponta Marques. Vaz Carneiro concorda. "Na nossa cultura tem sido difícil aceitar a idoneidade quando se trata de avaliar características subtis." Para Telmo Mourinho Baptista, bastonário dos psicólogos, uma avaliação psicológica e motivacional prévia seria importante, ainda mas não apenas para os médicos. "Seria útil para todas as profissões que impliquem contacto humano." Contra a mudança, reconhece, pesa o "preconceito" de que este tipo de análise é menos objectiva. "São mais bem seleccionados quando existe uma competição desenfreada por décimas? As profissões de saúde têm responsabilidades próprias que justificam essa avaliação e vemos que as queixas dos doentes muitas vezes não são do foro técnico. O receio parece só se encontrar neste campo: é pacífico que um candidato a cursos que impliquem motricidade faça provas físicas." A inexistência de uma cultura de interdisciplinaridade é outro obstáculo: "Não é a psicologia a seleccionar, é um contributo. As ferramentas existem para se complementarem, mas por cá pensa-se que que é entregar a tarefa a alguém."
NA PRÁTICA, O QUE MUDARIA?
Para Vaz Carneiro, ter "os cavalos de corrida" na sala de aula não traz dissabores. "São trabalhadores, têm boa memória", descreve. "São menos de 1% os alunos que vimos a perceber que só ali estão por causa dos pais ou pela eventual remuneração ou segurança da profissão." Mas a medicina é uma profissão cada vez mais exigente, pela complexidade técnica dos sistemas de saúde, mas também por haver mais informação dos doentes e responsabilização profissional. E as notas nada dizem sobre o estofo psicológico nem garantem os melhores dos melhores. "Eu iria mais longe e abriria as vagas a alunos estrangeiros." Para já, sem entrevistas ou testes adicionais, 96% dos alunos concluem com sucesso a formação. A mesma experiência tem Marques. O último estudo no Porto sobre abandono é de 2008 e apurou uma taxa de 1,8%, valor que o director diz "não convidar a arriscar mudanças".
E na prática, safam-se? Vaz Carneiro admite que mais que desconforto ou pouca resistência, a principal dificuldade dos candidatos a médicos nos primeiros anos é organizar o tempo e ter pensamento crítico. Se serão bons profissionais, depende da vocação mas também da formação e do acompanhamento. O desafio cruza-se com o número de alunos e não têm faltado vozes a pedir que baixem. José Ponte dirigiu até 31 de Julho o único curso de Medicina em que existem mini-entrevistas de aptidão psicológica à entrada, na Universidade do Algarve. Ser só para candidatos com uma licenciatura anterior e ter menos candidatos tem possibilitado a selecção mais criteriosa, admite, receando que o aumento das vagas - de 32 para 48 - se traduza em menor qualidade de ensino.

José Manuel Silva, bastonário dos médicos, é o mais reticente: incluir avaliação ou entrevista mais psicológica introduziria um grau de subjectividade que poderia tornar o sistema permeável, avisa. Mas ficar de fora por uma décima não é igualmente subjectivo? "Extremamente. Mas como é que um teste psicológico vai ultrapassar a subjectividade de uma décima? Têm seis anos de formação inicial em que é possível sinalizar dificuldades, caso existam", defende. E os problemas de comunicação ou atitude, de que se queixam os doentes? "Existem diferentes personalidades e sabemos que isso pode gerar conflitos, mas a boa prática é chamar-se a atenção. Se fôssemos seleccionar os jovens pelos melhores comunicadores teríamos uma medicina de banha de cobra".