Segundo a jornalista do Jornal I, Sílvia
Caneco, “em 2011, a Fundação de Coimbra recebeu 4,3 milhões de apoios públicos.
Roda pelas mãos da mesma família há 40 anos. A presidente da Fundação Bissaya
Barreto - IPSS de Coimbra que em 2011 recebeu 4,3 milhões de subvenções
públicas - aufere 11 400 euros brutos de salário mensal, cerca do dobro do
ordenado do primeiro-ministro e dos gestores das grandes empresas públicas. A
fundação é a quinta maior beneficiária de fundos do Estado, segundo um ranking
divulgado pelo “Público” em Fevereiro, baseado em dados de 2011 da
Inspecção-Geral de Finanças (à frente estão quatro universidades). Patrícia
Nascimento tornou-se presidente do conselho de administração em Junho de 2007.
Não tem qualquer ligação a Bissaya Barreto, o médico e professor universitário
que deu nome à fundação, em 1958, nem a qualquer dos sete cidadãos fundadores.
O patrono designou como seu sucessor, antes de morrer, uma pessoa que não era
seu familiar, o arquitecto Luís Viegas Nascimento, mas a partir daí a fundação
que gere o Portugal dos Pequenitos não saiu das mãos da mesma família. A actual
líder da Bissaya Barreto herdou o cargo do marido, que, por sua vez, sucedeu ao
pai (o arquitecto Nascimento). O percurso de sucessões hereditárias da Bissaya
Barreto corria sem sobressaltos até chegar a nova Lei-Quadro das Fundações,
publicada em Julho de 2012. A lei que quer tornar mais claras e transparentes
as contas e actividades destas fundações, sejam elas públicas sejam privadas,
obrigava a mudanças: tinham seis meses para mudar as orgânicas e os estatutos.
Ciente disso, a 2 Novembro, a presidente da Fundação apresentou aos outros
quatro administradores uma proposta de alteração dos estatutos. Entre outras
coisas, segundo acta da reunião a que o i teve acesso, propunha que o seu cargo
- que tem passado de mão em mão pela mesma família nos últimos 40 anos - fosse
vitalício. Alguns administradores manifestaram--se contra, avisando que a lei
era clara: sendo uma fundação privada com estatuto de utilidade pública
administrativa não poderia ter cargos vitalícios, a menos que essa tivesse sido
a vontade dos fundadores. É o que diz o artigo 26.o da nova lei. Já não há
fundadores vivos, mas os estatutos originários, datados de 1958, mostram que,
depois da morte de Bissaya Barreto, os sucessores deveriam ser eleitos e por um
mandato de três anos. O desfecho das divergências aconteceria por via postal.
No final de Novembro, dois administradores que se tinham manifestado contra a
proposta de alteração dos estatutos por considerarem que esta violava a lei
foram exonerados pela presidente. A 30 de Novembro, Patrícia Nascimento
escrevia-lhes uma carta a comunicar que seriam imediatamente exonerados do
cargo de administradores devido ao “manifesto desacordo hostil contra os
estatutos da Fundação” que revelava “uma grande falta de lealdade”. Carlos
Páscoa, que estava na administração da Fundação desde 2008, ao que o i
averiguou, aceitou um acordo de 275 mil euros para sair. Na carta de despedida
enviada aos funcionários, disse deixar o cargo por “diferenças inconciliáveis
no quadro do debate interno sobre a alteração estatutária a que a nova
lei-quadro obriga as fundações”. João Amaro da Luz, advogado que era gestor da
instituição desde 2007, não se conformou e interpôs duas providências
cautelares. Na primeira, apresentada a 6 de Dezembro de 2012, alega que a
decisão é ilegal porque foi tomada pela presidente a uma só voz. Logo de
seguida precisou de apresentar uma segunda porque a presidente reuniu o
conselho de administração para que ratificassem a sua exoneração. O i tentou
obter esclarecimentos sobre as várias questões junto da presidente da Fundação
Bissaya Barreto, mas não recebeu qualquer resposta.
Irregularidades
Na proposta apresentada pela líder da
fundação estabelecia- -se que esta não era eleita, escolhia os membros de todos
os órgãos, designava o seu sucessor e presidia também ao órgão executivo,
criado pela nova lei-quadro. Uma semana depois, Amaro da Luz, um dos dois
administradores que viriam a ser afastados e que logo na primeira semana tinham
alertado para as irregularidades, fez uma nova proposta, que considerava não
esbarrar na lei. Defendia, entre outras coisas, que o presidente do conselho de
administração deveria ser eleito por voto secreto, limitações de mandatos para
todos os órgãos (quatro de três anos cada), e que a vinculação da fundação
devia ser feita com pelo menos duas assinaturas: a do presidente do conselho de
administração e a de um administrador executivo. Todos os administradores
concordaram com algumas das sugestões, como a limitação de mandatos, à excepção
de Patrícia Nascimento, que foi adiando a votação final. Depois dessa data, ao
que o i averiguou, a proposta foi para a gaveta. Depois de os dois
administradores terem sido exonerados, a fundação requereu junto da Presidência
do Conselho de Ministros (PCM) a confirmação do estatuto de utilidade pública:
se fosse esse o caso, bastava homologar os estatutos em vigor. O pedido, ao que
o i apurou, foi recusado: como é uma instituição particular de solidariedade
social (IPSS) não se enquadra nessas normas e terá obrigatoriamente de alterar
os estatutos”.