sexta-feira, dezembro 28, 2012

Atenas: onde a crise económica criou uma catástrofe social

Segundo o jornalista do Jornal I, Bruno Simões Castanheira, “a recessão e a austeridades impostas à Grécia em 2009 obrigaram a população a viver nos limites. Violência, prostituição e consumo de drogas disparam na capital grega. De mão envergonhada e cabeça baixa, o homem de olhar escondido pede ajuda para alimentar os filhos. No centro de Atenas, a sua manifestação é forte mas digna. O apelo deste grego atinge-nos, porque também é feito através do olhar despido de duas crianças e a questão põe-se: serão estes os famigerados que viveram acima das suas possibilidades? A resposta é óbvia, num país obrigado a viver desde 2009 com uma receita de sucessivas medidas. Atenas é uma cidade condenada que não consegue esconder a miséria. As manifestações violentas tornaram-se frequentes. No centro histórico há fome, sem-abrigo e muitas seringas no chão. Perto da Praça de Omonia, no coração da cidade, encontra-se o desespero de quem tudo perdeu. Começaram por perder o emprego, perderam a esperança e muitos já perderam a dignidade. Resta-lhes aceitar a caridade da Igreja Ortodoxa grega ou o assistencialismo de um centro municipal que há muito deixou de conseguir responder a todos os pedidos de refeições diárias. No Kyada, o centro municipal de ajuda ao sem-abrigo, a luta por um lugar é firme e violenta: primeiro os gregos, depois os imigrantes. No meio de quem luta apenas por um prato de comida há o choro de muitas crianças mal nutridas. Ali a comida acaba por não chegar para todos. Há quem não desista de lutar pela vida e continue à procura de alimentos nos caixotes de lixo das ruas de Atenas. O epílogo poderia ser uma frase de José Saramago: “Quem pôde comer comeu, quem não pôde, roeu cornos.”
Na zona de Metaxourgio, ali bem perto, há mais sinais de uma catástrofe social, provocada em muito pela crise que afecta a Grécia. Aumentou o número de mulheres que recorrem à prostituição de rua como forma de sobrevivência e dezenas de toxicodependentes vivem e injectam-se na via pública sem quaisquer condições, o que mostra as indicações do Observatório Europeu das Drogas e da Toxicodependência: a crise na Grécia fez disparar o número de consumidores de droga injectada e há uma nova epidemia de HIV. Com a crise, a violência parece determinada a fazer parte do dia-a-dia dos gregos. Há dificuldade em lidar com a imigração (os dados oficiais indicam que há um milhão de imigrantes num país que tem uma população de 10 milhões) e há um aumento do xenofobismo e do racismo entre os gregos. Os ataques, os espancamentos e as tentativas de homicídio de imigrantes tornaram-se triviais na capital do país e por ali há quem diga que muitos destes crimes têm a conivência da polícia e são perpetuados pelo partido de extrema-direita Aurora Dourada, que nas ultimas eleições teve os votos de 7% do eleitorado. Risat Ali é um imigrante paquistanês de 47 anos que trabalha na construção civil e vive há 22 anos na Grécia. Em convalescença, numa cama de hospital, Risat reúne forças para descrever como foi várias vezes esfaqueado e insultado por dois homens vestidos de preto. Um dos golpes falhou o coração por apenas um centímetro. “A polícia estava por perto, mas afastou-se”, conta. Risat, e quase todos os imigrantes com quem falamos, sublinham que “antes da crise, o racismo quase não existia neste país”. Agora os imigrantes são acusados de roubar recursos e trabalho aos gregos, que se vêem confrontados com o desemprego da crise: 26% da população não tem trabalho. Maria Polidis, 62 anos, está desempregada e vive com o único filho, de 38, também ele sem trabalho. Tem uma reforma de viuvez de 425 euros e paga uma renda de 350 euros. A crise leva-a a acumular dívidas de água, gás e luz. Maria está desesperada, mas diz não sentir raiva e confessa que também não encontra culpados por esta crise. Angustiada, vê-se obrigada a pedir ajuda. Envergonhada e com os olhos cheios de lágrimas, deixa o desabado de que preferia morrer a chegar a esta situação, que nos faz recordar as palavras de Sócrates momentos antes de tomar a cicuta que o mataria: “Eis a hora de partir: eu para a morte, vós para a vida. Quem de nós segue melhor rumo, ninguém o sabe, excepto os deuses.”