sexta-feira, outubro 21, 2011

Opinião: "CONTRA O CAPITALISMO"

"Nesta pretensa polémica - pretensa porque ontem foi noticiado que o Presidente critica mas não inviabiliza o Orçamento de Estado para 2012 - entre Cavaco Silva e o executivo de Passos Coelho, há uma coisa que me intriga desde início: afinal eles não falaram antes sobre nada? Não estavam sintonizados quanto à necessidade de medidas? Afinal o que é que dizem um ao outro nos encontros sem, mais? Banalidades? É estranho, realmente muito estranho - e não comento o conteúdo das críticas nem a acuidade das observações presidenciais - que Cavaco Silva tenha esperado alguns dias, depois da apresentação da proposta de OE para 2012, para vir a terreiro armado em "garanhão" e questionar aquelas que são as medidas mais polémicas e discutíveis anunciadas pelo executivo. É isso que me intriga, uma alegada falta de diálogo e de contacto, que confundiu comentadores, baralhou jornalistas e intriga os cidadãos.
A percepção que tenho, cada vez mais reforçada, é a de que estamos confrontados com uma inevitabilidade: ou tomamos mais medidas de austeridade, que não são estas que constam do OE 2012, ou vamos na mesma linha de rumo da Grécia. Sucede que é mais do que óbvio que tomar essas medidas de austeridade é impossível, não podemos agravar mais as condições de vida das pessoas, não podemos andar a reduzir salários, a cortar remunerações, a aumentar o custo de vida, a cortar benefícios sociais, a fazer o que se anda a fazer na saúde e na educação, sectores fundamentais em qualquer política governativa que se preze, a subir o IVA, a aumentar impostos, enfim, um manancial imenso de "artilharia pesada" com o qual é que é fácil a um governo atacar as pessoas e as empresas, mas que obviamente vai causar tempestade e uma revolta social de consequências imprevisíveis. Qualquer que seja o agravamento das medidas de austeridade, o resultado seria mais pobreza, mais desemprego, mais fome, mais falências, mais endividamento, mais instabilidade social, um caos. Tenho cada vez mais a percepção - o que é grave - que o PSD não estava preparado para ser governo. Poderia ter um discurso de oposição, obviamente com muita demagogia à mistura mas precisaria de mais tempo para preparar-se.
E deixem-se de tentar culpar o buraco da Madeira de todos os nossos males. Já mete nojo. O desvio orçamental este ano já vai em mais de 3.500 milhões de euros e desses apenas 480 milhões de euros são imputados à Madeira. O sector empresarial do Estado deve mais de 60 mil milhões, as PPPs vão custar ao erário público mais de 40 mil milhões de euros, as SCUTs representam um desastre de mais de 25 mil milhões de euros. Só o BPN, que viu agravado o seu buraco há dias em mais cerca de 500 milhões de euros, custará entre 6 e 7 mil milhões de euros, muito mais que a dívida da Madeira, 5.800 milhões de euros e quase os 4 mil milhões que a seu tempo ficaremos a saber constituírem a dívida dos Açores. Os Municípios e respectivas empresas públicas municipais devem mais de 8 mil milhões de euros. Vivemos num país onde todos devem, por culpa nossa, porque vivemos acima do que podemos e devemos. Tudo isso é certo. Mas exigir que em três anos se passe de um défice monstruoso da ordem dos mais de 9% para quase 2% é criminoso e vai dar cabo deste país e deste povo, até que ele se revolte e se indigne, levando tudo à sua frente. Deixem de nos chatear porque temos a noção do que aconteceu, e da situação em que nos encontramos. O problema é que se andam a dar a "papa na boca" de um país falido, porque razão vão agora penalizar uma região mesmo que ela tenha cometido, e cometeu, os mesmos erros, embora em menor escala, que muita gente cometeu e comete por esse país fora? Veja-se a pressa com que os Açores andam a reestruturar o falido sector empresarial público regional. Porquê agora? Porque só agora, em vésperas de formalizarem o pedido de auditoria às contas públicas quando pedirem auxílio financeiro ao Estado?
Daí a sensação que tenho que se começa a cavar um fosso enorme entre a conjuntura política e eleitoral de 5 de Junho e a realidade dos nossos dias. A tolerância das pessoas esgota-se, a desgraça instala-se e, mais grave do que isso, a interiorização da ideia de que é tudo "mais do mesmo", sem dúvida politicamente perigosa, acabará por gerar situações polémicas e mais instabilidade. Desconfio que há gente, no governo de Lisboa, que só por teimosia, presunção, vaidade pessoal e cautela profissional não admite o que a seu tempo veremos que se trata de uma inevitabilidade: temos que pedir mais dinheiro à "troika"!
Quando em Maio deste ano o governo socialista de Sócrates, que faliu Portugal, levando-o a dever mais de 300 mil milhões - um valor perto daquele que a Grécia deve - estabeleceu negociações com a "troika" que culminaram com um memorando de entendimento e 75 mil milhões de euros, dos quais 12 mil milhões vergonhosamente reservados à recapitalização dos bancos alegadamente ameaçados de falência, percebeu-se logo que os remanescentes 53 mil milhões não davam "para meia festa". Aliás, Silva Lopes denunciou ontem uma situação absolutamente intolerável: os bancos estão a beneficiar de apoios financeiros pagos pelos contribuintes e pelos clientes, podem vir a dispor de mais de 10 mil milhões de euros para se recapitalizarem e andam a distribuir dividendos pelos accionistas! Que raio de pouca vergonha descarada é esta? Como dizia Silva Lopes, nem os EUA, onde a libertinagem na banca é conhecida, se atreviam a tanto. Era evidente que vamos quebrar, é uma questão de tempo. Não temos condições de cumprir em tão pouco espaço de tempo tudo o que nos é exigido. O povo vai fartar-se, vai irritar-se, vai começar a sair à rua, vai começar a partir loiça, vai começar a encher peito e a levar tudo à frente. O problema é que ninguém sabe qual foi o montante da dívida portuguesa que esteve em cima da mesa quando se realizaram as negociações. Desconfia-se que os socialistas encolheram a dívida, para não alarmarem Bruxelas e os mercados especulativos que nos pressionavam, mas que na realidade ela seria o dobro da que serviu de base negocial. Só por isto percebe-se que os 75 mil milhões foram uma treta.
Ainda ontem ouvi o ex-ministro das finanças Silva Lopes, assumidamente um cidadão que não foi votante em nenhum dos partidos da actual coligação - como o próprio afirmou, até porque na realidade sempre foi próximo do PS - reconhecer que teremos que pedir mais dinheiro à "troika" e que era isso que Cavaco Silva deveria ter dito abertamente, ainda por cima quando o Presidente parece defender essa estratégia de pedir um reforço financeiro que permita alargar o tempo para a normalização da nossa situação financeira e orçamental. E deveria tê-lo feito em vez de perder tempo com comentários que, ainda por cima, ninguém percebeu o que pretendiam, dado que abre, a porta a várias interpretações e que não obtiveram nos dois partidos da actual maioria qualquer concordância.
Acho que é tempo de agirmos enquanto há tempo. As pessoas estão desiludidas, estão desmotivadas, estão temerosas, não sabem o que lhes espera o seu futuro. Deixaram de ter segurança no trabalho, vivem numa angústia e numa ansiedade tremenda, vemos casais, particularmente jovens, obrigados a devolver as casas aos bancos, depois de por elas terem pago significativas verbas, que ficaram privados agora de cumprir, pelo simples facto de terem ficado desempregadas ou terem sido que foram vítimas do fundamentalismo patético de uma "entourage" governativa que se julga salvadora de coisa nenhuma, mas que vive de rendimentos acumulados muitas vezes sabe-se lá como. Sou, por princípio, um anti-capitalista da pior espécie, intratável, doentiamente um inimigo figadal das patifarias e habilidades e da especulação capitalista, por mim rebentava com os mercados especulativos, exterminava os agiotas que vivem da exploração dos mais pobres e dos mais fracos. Sou um intratável inimigo da exploração do homem pelo homem, da corrupção, do enriquecimento ilícito, porque tudo isso conduziu-nos ao ponto onde estamos. Sou um adversário fundamentalista da ideia de que o primado economicista tem que sobrepor-se ao primado humanista que tem o homem como epicentro das preocupações de qualquer sociedade e governação que se prezem. Mas sempre fui assim, sempre pensei assim
" (in JM)

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