segunda-feira, julho 18, 2011

"O fora-da-lei do jornalismo continua entre nós"

Li no Jornal I, num texto da jornalista Joana Azevedo Viana que "aos 20 anos escrevia em “sportuguese”, ou “desportivês”, como quem tem poucas regras e pode dar-se ao luxo de estabelecer os seus limites. A escrita era “a única coisa em que era bom” e foi uma abébia de Carey McWilliams e da revista “Nation” que lhe abriu as portas da fama. Hunter S. Thompson faria hoje 74 anos, não fosse ter dado um tiro de caçadeira na cabeça em 2005. O homem que queria controlar a morte, que inventou o jornalismo Gonzo, que se fez doutor em Teologia por correspondência e que gastava o dinheiro de reportagens em álcool e drogas continua a ser o herói da juventude que viu Johnny Depp interpretar o alter ego do amigo em fitas como “Delírio em Las Vegas”. Em Outubro deste ano estreia um novo filme baseado no segundo romance de Thompson, “Diário a Rum”. E claro, é Depp que o protagoniza. Antes recordamos as várias faces do jornalista-escritor
Política

“Nem todos estão à vontade com a ideia de que a política é um vício. Mas é. Eles são viciados e mentem e enganam e roubam, como fazem todos os junkies” (1994)
A faceta política de Thompson, uma das menos conhecidas, teve tanto de intrigante como de genial. A “Rolling Stone” carimbou o Gonzo político quando mandou HST cobrir as primárias para as presidenciais de 1973. Os artigos originaram o volume II de “Delírio em Las Vegas” – é só substituir as drogas e o álcool pelo ódio de estimação a Richard Nixon e pelas críticas à forma como os media cobrem o tema. O Dr. Thompson adoraria escrever sobre as escutas dos tablóides de Rupert Murdoch, dizia a “Slate” há uns dias. Se fosse vivo, arriscamos, poderia até estar a recandidatar-se a xerife de Aspen pelo Partido Freak, eleição que perdeu em 1970 por poucos votos.
Literatura

“Francamente, não tenho gosto nem pela pobreza nem pelo trabalho honesto, daí que a escrita seja o meu último recurso” (1958)
Cresceu lado a lado com a geração beat, que inspirou a sua mudança de Louisville para São Francisco. Em criança já era fora-da-lei; mais tarde, a experiência na Força Aérea para escapar a uma pena de prisão dar-lhe-ia a certeza de que escrever era o que queria fazer. Não foi no berço dos beat que encontrou o que queria. O primeiro e segundo livros, romances menos conhecidos, foram escritos em Porto Rico, onde arranjou trabalho como jornalista de uma revista de desporto. Com as reportagens para a “Rolling Stone” nasceria a obra que lhe deu a fama – e o proveito. “Delírio em Las Vegas” cunhou o seu estilo de jornalista participante.
A partir daí choveram artigos, experiências e oportunidades.
Álcool e Drogas

“Há um conjunto de provas que torna muito claro que a polícia e eu fomos postos no planeta Terra para fazer coisas muito distintas” (1992)
Em 1952, a Força Aérea dos EUA divulgou um memorando interno: “É requerido que o airman Thompson seja oficialmente notificado de que não deverá escrever mais nada, quer em publicações internas quer externas.” A frase prenuncia a relação disfuncional de Hunter com qualquer forma de autoridade. Arriscam alguns dizer que foi isto que o levou às primeiras experiências com drogas. Em álcool e cigarros já era viciado; as drogas foram o passo seguinte. Décadas mais tarde, diria numa entrevista: “Não recomendo sexo, drogas e loucura a todos, mas sempre resultou comigo.” De tal forma que até a Flying Dog Brewery decidiu baptizar uma das suas cervejas em honra de Thompson.
Cinema

“Querida Holly, sua cabra preguiçosa, estou a ficar farto desta pulhice insana que andas a fazer com o ‘Diário a Rum’” (2001) Em Outubro deste ano estreia nos Estados Unidos mais um filme baseado nos livros Gonzo. “Diário a Rum”, romance que escreveu enquanto jornalista em Porto Rico, esteve para ser adaptado ao cinema em 2001, pelos estúdios Shooting Gallery – entretanto falidos. Os estúdios já tinham adquirido os direitos de adaptação, mas o processo parecia confuso e lento. Hunter foi fiel a si próprio e enviou uma carta por faxe a Holly Sorenson, directora-executiva dos estúdios. Os insultos foram suficientes para o abandono do projecto e Hunter acabaria por não viver para ver o seu romance semi-autobiográfico no grande ecrã. Nós poderemos, em data a confirmar. Todos os outros filmes inspirados no jornalista estão disponíveis em DVD. O i recomenda-os.
Johnny Depp

“O Hunter? Nunca desaparece. Vai sempre estar por cá” (2011) Uma relação duradoura entre um escritor fora-da-lei e uma estrela de Hollywood estaria condenada ao fracasso, não fossem os protagonistas Thompson e Depp. A amizade nasceu quando o actor se mudou para a casa do jornalista em Aspen, Colorado, a fim de “estudar” para o papel que iria interpretar em “Delírio em Las Vegas”:_o alter ego de Hunter, Raoul Duke, na adaptação do livro a filme. Desde então, os dois ficaram ligados para sempre. Quando Hunter S. Thompson deu um tiro de caçadeira na cabeça, a 20 de Fevereiro de 2005, Depp pagou todas as despesas do funeral. Mais tarde, quando comprou uma ilha nas Caraíbas, Depp baptizou uma das seis praias com o nome “Gonzo”, em honra do amigo. As mesas das esplanadas, feitas de vidro, têm fotografias de HST. Para quem quiser brindar ao herói.
Amizades

“Desentendemo-nos tão violentamente em quase tudo que é um verdadeiro prazer beber com ele. Quanto mais não seja pela sua absoluta honestidade e loucura” (1973)
O que Thompson escreveu sobre Pat Buchannan nesta carta poderia ter sido dito por qualquer amigo seu. Hunter era famoso por não ser a mais afável das pessoas com os amigos. Ralph Steadman, ilustrador de serviço nas reportagens de HST, descobriu-o da pior forma. Quando a “Rolling Stone” deu o primeiro trabalho a Hunter, este propôs a arte de Steadman para “tapar os buracos” da página. O britânico, que andava à procura de trabalho nos EUA, acabou como correio de droga do jornalista. A experiência – e as inúmeras que se seguiram – fez nascer o “Fim da piada: Memórias feridas”, tradução livre do título do livro que Steadman dedicou a HST em 2005 (não está editado em português)”.

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