sexta-feira, abril 29, 2011

Crise: "O mito dos salários que nunca foram pagos em certificados de aforro"

Escrevem os jornalistas do Jornal de Negócios, Pedro Romano e Rui Peres Jorge que "em 1983, a segunda visita do Fundo Monetário Internacional (FMI) a Portugal obrigou o Governo a apertar os gastos e a controlar o défice. As primeiras vítimas foram os funcionários públicos: não só tiveram actualizações salariais abaixo da inflação como ainda receberam o subsídio de Natal sob a forma de certificados de aforro. Uma história de austeridade que revela bem aquilo de que o FMI é capaz. Com um senão: não é verdadeira. O episódio é frequentemente mencionado mas, segundo o Negócios apurou, a medida, apesar de debatida entre responsáveis portugueses e técnicos do FMI, nunca passou do papel. Depois de muita indecisão, o Governo limitou-se à criação de um imposto extraordinário sobre todos os rendimentos obtidos nos primeiros três meses do ano. A medida, que consta da Lei 37/83, de 21 de Outubro, pode ser publicamente consultada através do Diário de República online. Na prática, concretizou-se num imposto adicional de 2,8% a 6%, consoante o tipo de rendimentos colectáveis. E, ao contrário do que aconteceria caso a ideia dos certificados de aforro tivesse ido para a frente, os montantes retidos não foram devolvidos. A "confusão" pode ter sido precipitada pelo facto de, cinco anos depois, o Governo ter de facto feito pagamentos aos funcionários públicos em certificados de aforro. Segundo o Decreto-lei 450-A/88, criou-se uma "remuneração extraordinária" paga em numerário, "excepto se o montante a atribuir for superior a 12.000$00, caso em que serão emitidos certificados de aforro pelo valor global líquido da remuneração". Mas esta remuneração extraordinária foi criada para compensar os funcionários públicos pela actualização salarial muito abaixo da inflação prevista em 1988 - uma situação recorrente numa altura em que a subida dos preços estava, por norma, nos dois dígitos ao ano. Nada tinha que ver com o imposto especial criado cerca de cinco anos antes.
Receita repete-se
Se um imposto especial sobre os rendimentos soa a "déjà vu", o resto das medidas que foram implementadas em 1983 e 1984 também tem mais do que vagas semelhanças com aquelas que agora começam a ser faladas. Aponte: suspensão de investimentos, corte de prestações sociais, congelamento de entradas na Função Pública e menos transferências para autarquias e empresas públicas. Do cardápio agora em discussão só não consta aquilo que, desde a criação do BCE, já não é tecnicamente possível: desvalorizar a moeda e, para voltar a adquirir o equilíbrio externo, aumentar as exportações e diminuir as importações. Para Ana Bela Nunes, economista do ISEG que estudou a fundo as intervenções do FMI em Portugal, o facto de as políticas monetária e cambial não estarem disponíveis pode tornar a nova vaga de ajuda mais dolorosa. "Foram factores que ajudaram a percepcionar de forma muito menos dramática a quebra significativa do nível de vida, nomeadamente do consumo", diz".

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