terça-feira, novembro 30, 2010

Açores: “Conquistas Autonómicas” do Estatuto e da Constituição entram só 4 anos depois...

"Apesar dos deputados açorianos da Assembleia Legislativa dos Açores terem levado quase 4 anos a discutir, criar a aprovar o novo Estatuto Político-Administrativo dos Açores, algumas das suas mais importantes inovações continuam a ser uma incógnita para os seus feitores. E ainda esta semana, os deputados regionais foram completamente apanhados de surpresa, quando se tiveram de pronunciar sobre uma proposta nacional do Partido Comunista para a criação de um Regimento de Referendo Regional, previsto já na última Revisão Constitucional.
Em teoria, os açorianos já poderiam estar a usufruir da prerrogativa de poder lançar um Referendo de âmbito regional, mas na prática os deputados não só nunca iniciaram os procedimentos necessários para o permitir, como parece ainda estarem a estudar o assunto – que também foi inserido no novo Estatuto regional.
Por isso, a resposta para ser emitido um parecer à proposta do PCP nacional foi uma espécie de abstenção. A Comissão de Assuntos Parlamentares, Ambiente e Trabalho, que foi chamada a pronunciar-se sobre a proposta de diploma, optou por aprovar por unanimidade "não emitir parecer", por considerar que "esta matéria deverá ser objecto de um mais amplo debate no seio da Comissão Eventual para o Estudo e Elaboração das Propostas Legislativas Necessárias ao Desenvolvimento e Operacionalização da Terceira Revisão do Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma dos Açores". A Comissão sugere que mesmo que essa análise "origine, eventualmente, uma iniciativa legislativa da Região junto da Assembleia da República"… Se as dúvidas são mais que muitas, como a posição desta comissão parece indiciar – no mínimo, as inovações do Estatuto não se faziam acompanhar dos mecanismos necessários para as implementar, o que diz muito da falta da sua operacionalidade –, a referida "Comissão Eventual para o Estudo e Elaboração das Propostas Legislativas Necessárias ao Desenvolvimento e Operacionalização da Terceira Revisão do Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma dos Açores" também está numa fase perfeitamente embrionária. Desde logo, foi criada apenas em Junho deste ano, cerca de um ano e meio depois do Estatuto ter sido aprovado na Assembleia da República. Uma vez que na altura da sua constituição foi deliberado pelo presidente da Assembleia que teria "180 dias para apresentar o respectivo relatório final, incluindo as propostas de diploma", a partir da data da sua constituição, esse prazo vence no dia 17 de Janeiro. Será plausível? O facto é que até ao momento aquela comissão apenas reuniu uma vez, no início de Novembro, e não é conhecido ainda nenhum relatório. Tendo em conta o histórico das comissões parlamentares, a probabilidade é que esse prazo não seja cumprido… Confirmando o muito trabalho que aparentemente não foi feito aquando da elaboração do Estatuto, a primeira missão da comissão é de proceder à "inventariação da legislação que deva ser alterada, bem como a identificação das novas iniciativas que se mostrem adequadas, tendo em vista o desenvolvimento e operacionalização da terceira revisão do Estatuto Político Administrativo". Depois, deverá proceder à "elaboração de propostas relativamente às iniciativas que se mostrem necessárias, designadamente: Ante-Proposta de Lei – "Regulação do Referendo Regional"; Projecto de Decreto Legislativo Regional – "Iniciativa legislativa dos cidadãos"; Projecto de Decreto Legislativo Regional – "Regime Jurídico das comissões parlamentares de inquérito"; Projecto de Decreto Legislativo Regional – "Registo Público de Interesses na Assembleia Legislativa"; Projecto de Decreto Legislativo Regional – "Regime legal de execução do estatuto dos deputados"; e Projecto de Decreto Legislativo Regional – "Órgãos representativos das ilhas". Também não parece haver qualquer pressa em que qualquer destas outrora consideradas "conquistas" da Autonomia venha a ter aplicação na presente legislatura. Recentemente, quando investigamos a questão das Declarações de Interesses dos deputados, soubemos que a "norma transitória" fará com que apenas sejam aplicadas na próxima legislatura. O mesmo, conclui-se, será aplicado a todas as restantes "conquistas". O resultado é uma espécie de originalidade açoriana: qualquer que seja a conquista autonómica que o Estatuto ou a Constituição consagrem para a Região, nunca terão aplicação na sequência da sua consagração – mas sempre na legislatura seguinte. O que pode ser quatro anos depois, como os presentes exemplos demonstram! Na constituição desta comissão, há uma linha que deixa perceber o sentimento de ridículo que Francisco Coelho já pressentiria – ou é apenas um retrato da morosidade "natural" com que o poder político regional se move: "decorrido pouco mais de um ano sobre a entrada em vigor da terceira revisão do Estatuto e quando já se perspectiva a abertura de um novo processo de revisão constitucional, importa que a ALRAA dê particular atenção ao desenvolvimento e operacionalização das alterações resultantes da referida revisão estatutária", é referido no diploma que cria a referida comissão… Curiosamente, tudo indica que haverá uma nova revisão da Constituição sem que os açorianos tenham aproveitado o que a anterior lhes concedeu. É, realmente, uma outra forma de estar…"
(pelo jornalista Manuel Moniz, no Diário dos Açores, com a devida vénia)

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