sexta-feira, novembro 28, 2008

"Caso PND": Entrevista de Monteiro Diniz à RTP-Madeira

LUÍS MIGUEL FRANÇA - A política na Madeira vive dias agitados. O Representante da República na Madeira é o nosso convidado do Especial Informação. Boa noite, Conselheiro Monteiro Dinis, o que é que pensa de toda esta situação vivida no Parlamento?
MONTEIRO DINIZ - Bem, essa pergunta é uma pergunta tão genérica que para lhe responder necessito também de uma resposta muito genérica e eu preferiria responder a perguntas mais concretas e mais específicas.
LUÍS MIGUEL FRANÇA - Para ser mais objectivo. Como é que qualifica aquilo que aconteceu no Parlamento?
MONTEIRO DINIZ - É lamentável e é lamentável a vários níveis e a vários títulos, quer num primeiro momento, o comportamento do Deputado do PND, que é um comportamento manifestamente desadequado ao exercício funcional de uma actividade normal dum deputado inserido num Parlamento, num País que é um Estado de Direito Democrático, como a seguir… Eu tive a oportunidade de ver esta peça que apresentaram. Referem os constitucionalistas, Miranda e Marcelo Sousa, mas não referem a mim. Eu não sou grande constitucionalista, mas tive a oportunidade de dizer…
LUÍS MIGUEL FRANÇA - ...Não referimos o Conselheiro Monteiro Dinis, porque estava neste espaço e tem o privilégio de ter 45 minutos de entrevista.
MONTEIRO DINIZ - Muito bem, agradeço, mas dentro daquela continuidade histórica, quando estiveram na semana passada lá na minha residência, eu tive a oportunidade desde logo de dizer que para além do primeiro comportamento do Deputado do PND, que também aquela deliberação da Assembleia é manifestamente inconstitucional, primeiro, e ilegal depois. E, portanto, não há, em relação a isso, dúvida nenhuma, na medida em que a Assembleia não tem, no ordenamento jurídico português, competência para suspender o mandato do deputado, dentro daquele condicionalismo específico.
LUÍS MIGUEL FRANÇA - Mas não é ilegal e inconstitucional exibir a bandeira nazi?
MONTEIRO DINIZ - O problema da exibição da bandeira nazi, entre nós não tem uma tipificação penal específica. Há países na Europa, diversos, em que o simples facto da exibição da bandeira com a cruz suástica pode determinar uma punição para o exibidor da bandeira, uma pena de prisão, que é o caso da Alemanha; na Áustria, na Dinamarca, na França, não me recordo assim de imediato, mas em todos estes países, o simples facto de exibir o símbolo da bandeira do Estado Nacional Socialista Alemão, que foi condenado no Tribunal de Nuremberga por crimes contra a humanidade, o próprio Estado Alemão, além doutras organizações militares e determinadas entidades individuais que integraram o poder do Reich, são considerados crimes e, consequentemente, se numa qualquer manifestação em qualquer local, muito menos num parlamento, for exibida a cruz suástica, que era a bandeira do Nacional Socialismo Alemão, a pessoa em causa incorre num crime que pode ser punido com prisão.
LUÍS MIGUEL FRANÇA - Mas em Portugal não é!?
MONTEIRO DINIZ - Noutros países, a punição não é de natureza tão grave. A Alemanha, de todos os países da Europa, aqueles que têm tipo legal de crime desta natureza, é o que pune mais gravemente. Entre nós, em conformidade com o artigo 46.º, n.º 4, da Constituição, são proibidas organizações de natureza racista, ou que perfilem a ideologia fascista, e essas organizações, aliás, enquanto eu estava no Tribunal Constitucional foi nomeadamente feito um processo de extinção em relação a uma organização dessa natureza. Portanto, não é em si próprio, isoladamente considerado, o facto de exibir a bandeira, numa manifestação, numa rua, num determinado local…
LUÍS MIGUEL FRANÇA - Não é crime!
MONTEIRO DINIZ - Não é crime! Agora, dentro de uma determinada contextualidade como esta, pode ser. Eu não quero pronunciar-me sobre isto, podia desenvolver…
LUÍS MIGUEL FRANÇA - Está dizer que pode ser crime neste contexto?
MONTEIRO DINIZ - Neste contexto pode ser, na medida em que está associado um outro comportamento, mas, como disse, eu não quero, nem devo pronunciar-me sobre isso, na medida…
LUÍS MIGUEL FRANÇA - Mas há um fundamento jurídico?
MONTEIRO DINIZ - Se me permitir, eu depois respondo à sua pergunta. …em que, tanto quanto sei, há lá uma participação no Ministério Público contra o Deputado do PND e também contra o Sr. Deputado que mais tarde entrou nas galerias do Parlamento Regional. E, portanto, eu não devo…
LUÍS MIGUEL FRANÇA - Exactamente. E se me permite, aliás, o Procurador-Geral da República disse hoje que o assunto está a ser averiguado na Madeira por iniciativa do Ministério Público.
MONTEIRO DINIZ - Muito bem! Pois, eu tinha essa informação, não tinha esse conhecimento concreto.
LUÍS MIGUEL FRANÇA - Pois, a informação é recente, saiu na Lusa por volta das 8 da noite...
MONTEIRO DINIZ - Portanto, na medida em que porventura terá sido aberto um inquérito, eu não devo pronunciar-me minimamente sobre o enquadramento jurídico que isso possa ter. E, portanto, a única coisa que eu disse, e que repito, é que a simples exibição da bandeira, no meu entendimento, não traduz a prática de um crime. Noutros países traduziria. Agora, a exibição da bandeira, associado a um outro tipo de comportamento, pode eventualmente ser o segmento integrativo de uma determinada tipologia penal, mas isso compete ao Ministério Público decidir, não é a mim, nem eu me quero pronunciar sobre isso.
LUÍS MIGUEL FRANÇA - Aliás, como referiu, o Presidente Cavaco Silva que disse que agora competia ao poder judicial.
MONTEIRO DINIZ - Aos tribunais!
LUÍS MIGUEL FRANÇA - Exactamente! Há duas pessoas então, dois membros de um órgão constitucional … a exibição da bandeira nazi, considera Monteiro Dinis que diz que, dentro de um determinado contexto, pode ser crime, já em relação ao Presidente da Assembleia Legislativa, esse incorre mesmo num crime ao ter suspendido o Deputado José Manuel Coelho?
MONTEIRO DINIZ - Pois! Eu li artigos na comunicação social sobre isso. Eu entendo que não se deve também, e não quero também caracterizar, porque li nos jornais que tencionam participar também contra o Sr. Presidente da Assembleia Legislativa pela circunstância de ter sido impedida a entrada do Sr. Deputado no dia seguinte no Parlamento. E, portanto, eu entendo também que não me devo pronunciar sobre isso…
LUIS MIGUEL FRANÇA - Mas está previsto no Código Penal?
MONTEIRO DINIZ - Está previsto! Mas para além do Código Penal, especialmente numa Lei de 87, que prevê, num artigo, que aliás tem sido citado na imprensa e, portanto, em termos formais, em termos jurídico-constitucionais, é um partido que tem um conjunto de direitos e deveres idênticos aos outros partidos. Agora, o problema é depois a prática e a concretização de uma determinada linha político-partidária ao nível do Continente, ou ao nível das regiões, nomeadamente aqui na Região, na medida em que nas últimas eleições obtiveram um mandato, portanto, um deputado, mas o problema de considerar, através dessa sua caracterização, que é uma caricatura do regime, eu não faço essa afirmação, nem a produzo, até porque não tenho conhecimento específico, para além destes acontecimentos que se têm aqui passado envolvendo este Deputado, realmente, eu não tenho conhecimento da prática política do PND a nível nacional…
LUÍS MIGUEL FRANÇA - Mas falou de comportamentos, dos comportamentos do PND. Se for para irmos por aí, por exemplo, o Presidente do Governo Regional apelida os seus adversários políticos de fascistas, chama os jornalistas de patetas e filhos da dita senhora, também são comportamentos reprováveis!?
MONTEIRO DINIZ - Não, eu não disse que era um comportamento reprovável do PND, desculpe, o que eu disse foi que aquele comportamento daquele deputado, nas circunstâncias que exibiram, e que agora vi, tendo a contextualidade verificada, com a exibição da bandeira suástica e com a fraseologia que estava a ser proferia, e que eu vi em parte pela televisão, que podia integrar eventualmente um tipo legal de crime. Dentro daquela contextualidade. Esse problema que me coloca agora, relativamente ao Sr. Presidente do Governo Regional, é um problema, em relação a isso que disse, de fazer afirmações críticas em relação aos jornalistas, são afirmações que eu já disse uma vez que muitas dessas afirmações eu não as produziria, nem entendo…
LUÍS MIGUEL FRANÇA - Nunca aconselhou o Dr. Alberto João Jardim a moderar a linguagem!?...
MONTEIRO DINIZ - …que sejam afirmações que de alguma maneira possam trazer o que quer que seja de vantajoso para a própria personalidade de quem as produz, mas isso é um problema que tem a ver com a própria interpretação política que o Presidente do Governo faz. Agora, essas afirmações, nomeadamente essas que referiu, penso que também foi a peça que mostrou há bocadinho em relação aos jornalistas, ontem…
LUÍS MIGUEL FRANÇA - Esta peça por acaso não mostrava, mas já foram reproduzidas essas declarações.
MONTEIRO DINIZ - Mas há ali umas afirmações a propósito dos jornalistas dizerem qual é a interpretação sobre os inventos que tinha relatado anteriormente, são afirmações, como eu disse, que eu, pessoalmente, não as produziria, mas não são susceptíveis de ter um enquadramento idêntico àquele dos outros acontecimentos ocorridos no âmbito do Parlamento Regional.
LUÍS MIGUEL FRANÇA - Mas podem ou não ter contribuído para este clima de crispação política na Madeira?
MONTEIRO DINIZ - Bem, isso é um problema agora… Estou na Madeira, e já agora gostaria de dizer, já há algum tempo, e eu hoje já conheço bastante bem a sociologia da Madeira, a cultura do povo madeirense, os comportamentos, razões históricas, económicas…
LUÍS MIGUEL FRANÇA - E já chegou a algumas conclusões ao nível político?
MONTEIRO DINIZ - Se me permitir, a política no fundo é a consequência de tudo isto. E há na verdade, quem conhecer bem a história da Madeira, e eu tenho sustentado nuns textos que escrevi, para se conhecer a realidade política da Madeira actual e os 30 anos da Autonomia, é preciso conhecer a história da Madeira com alguma profundidade, não só durante o século XX, mas durante o século XIX e anteriores, porque há um conjunto de circunstâncias sociológicas que se projectaram ao longo dos tempos e que determinaram uma certa mundividência, uma certa forma de actuar e de se comportar da sociedade madeirense. Por exemplo: há uma perspectiva lúdica e comportamental na Madeira que não existe nos Açores, nem no Continente, e isso é fruto de uma certa evolução histórica e de uma certa caracterização comportamental. E, portanto, aqui há, nomeadamente ao nível do Parlamento Regional…
LUÍS MIGUEL FRANÇA - Mas essa perspectiva lúdica não pode ter como palco o Parlamento!?
MONTEIRO DINIZ - Eu não estou a dizer isso!
LUÍS MIGUEL FRANÇA - Não, eu é que estou a dizer!
MONTEIRO DINIZ - O Parlamento é constituído por deputados eleitos pela colectividade madeirense e por madeirenses. Um deputado não é alguém que se possa desligar e desprender de toda a sua estrutura cultural e sociológica anterior. E, portanto, há aqui na Madeira, e respondendo à sua pergunta, uma determinada forma de estar, de proceder, de actuar, em que o Sr. Presidente do Governo Regional se integra, necessariamente, mas se integram também muitos outros protagonistas…
LUÍS MIGUEL FRANÇA - E porque não o Deputado José Manuel Coelho?
MONTEIRO DINIZ - …muitos outros protagonistas se integram também.
LUÍS MIGUEL FRANÇA - Entre eles o Deputado José Manuel Coelho?
MONTEIRO DINIZ - Também! Eu sou obrigado a ler, por uma questão de controlo dos diplomas regionais, os Diários da Assembleia Legislativa…
LUÍS MIGUEL FRANÇA - E gosta do que lê?
MONTEIRO DINIZ - Não completamente.
LUÍS MIGUEL FRANÇA - Não se sente frustrado com o trabalho parlamentar?
MONTEIRO DINIZ - Bem, eu utilizaria porventura até uma palavra mais pesada do que essa
LUÍS MIGUEL FRANÇA - Então, pode utilizá-la.
MONTEIRO DINIZ - Não a quero utilizar, por uma questão de consideração para com o Parlamento e para com a população da Madeira.
LUÍS MIGUEL FRANÇA - Mas como é que se percebe que, havendo deputados juristas no Parlamento, possam ter apresentado uma proposta deste género, que é ilegal e inconstitucional, deputados, alguns deles, que até nem sabem escrever o português? Aliás, o Senhor devolveu um diploma, argumentando que aquele português estava muito mal escrito.
MONTEIRO DINIZ - Peço desculpa, isso foi a comunicação social que disse, eu sugeria que um conjunto de locuções contidas num diploma que deviam ser porventura corrigidas formalmente, depois a imprensa é que falou em aulas de português, etc. Agora, o que eu queria significar em relação ao momento anterior, a propósito dos comportamentos ao nível do Parlamento e ao nível da sociedade em geral, é que há na Madeira na verdade uma certa liberdade comportamental…
LUÍS MIGUEL FRANÇA - Há um ambiente de festa!...
MONTEIRO DINIZ - …há um ambiente lúdico, um ambiente em que se cultiva determinados valores que não existem, por exemplo, agora para comparar com outra região, nos Açores. Os Açores tem um ambiente de penumbra, nebuloso, uma carga cinzenta e aqui, a Madeira, são as flores, são as festas, é o vinho, é a alegria…
LUÍS MIGUEL FRANÇA - É a espetada e o bolo do caco!
MONTEIRO DINIZ - …e, portanto, tudo isso comporta depois estas emanações que ultrapassam limites minimamente razoáveis. E isto que se passou na Assembleia, já há pouco disse e quero voltar a acentuar, quer num primeiro momento é algo que é condenável, até muito condenável, pela simbologia que comporta o símbolo que o Sr. Deputado José Manuel Coelho (que aliás eu conheço-o, ele esteve comigo, pediu-me uma audiência e eu até tive uma conversa muito amena com ele e até fiquei, quero dizer aqui, de alguma maneira impressionado com uma certa dimensão cultural que eu pensei que ele não tinha e tem, eu tive oportunidade de captar isso numa conversa que tive com ele na minha residência, lá em São Lourenço), mas depois também é condenável a outra intervenção da suspensão, que é inconstitucional e ilegal, não é preciso vir o Prof. Rebelo de Sousa e o Prof. Jorge Miranda dizer isso, porque eu penso que aqui na Madeira há muito boa gente que sabe isso, até deputados certamente saberiam, agora o que correspondeu porventura…
LUÍS MIGUEL FRANÇA - Então, se sabiam, porque é que avançaram com a proposta?
MONTEIRO DINIZ - Pois, é isso!
LUÍS MIGUEL FRANÇA - Não acha um pouco estranho?
MONTEIRO DINIZ - Não acho estranho, tendo em atenção…
LUÍS MIGUEL FRANÇA - ...Acha normal?...
MONTEIRO DINIZ - ...Acho normal dentro de uma determinada contextualidade. O Estatuto dos Açores também foi aprovado por unanimidade comportando um conjunto grande de inconstitucionalidades. E foi aprovado.E, portanto, e a pergunta…
LUIS MIGUEL FRANÇA - E por falar no Estatuto dos Açores…
MONTEIRO DINIZ - ...E logo a seguir o Sr. Presidente veta o diploma, vai ao Tribunal Constitucional, ou veta constitucionalmente, e a Assembleia, que tinha aprovado por unanimidade, imediatamente afirma que “sim, senhor, que há uma série de questões que estão dispostos a resolver!”. Ora, o problema é, como é que se pode aprovar por unanimidade num dia e algumas semanas depois se diz que se aceita tudo? Portanto, isto é para responder à sua questão, que revela alguma perplexidade, como é que, havendo juristas, aprovam algo que é ilegal? Os parlamentos determinam-se acima de tudo por questões e por critérios e por razões políticas, não é por razões jurídico-normativas, e podem saber perfeitamente que uma determinada solução… eu, a cada passo… olhe! Ainda hoje vetei um diploma…
LUÍS MIGUEL FRANÇA - Pois, nós já demos conta aqui no telejornal!
MONTEIRO DINIZ - Não sabia! Mas muitas vezes o próprio Parlamento tem consciência que o diploma que aprova que é inconstitucional, ou é ilegal, mas aprova, para ver se a entidade que controla a assinatura o pode deixar passar. E foi o que sucedeu com o Estatuto dos Açores!
LUÍS MIGUEL FRANÇA - Já agora, o diploma que foi vetado pelo Senhor é o que adapta à Administração Pública Regional o regime de vinculação da função pública?!
MONTEIRO DINIZ - Sim, sim!
LUÍS MIGUEL FRANÇA - No caso do Estatuto dos Açores, o Presidente da República vetou o Estatuto, como sabemos, aliás, fez até uma comunicação ao País, deixando surpreendidos vários quadrantes políticos. No caso da Madeira, aparentemente, por se tratar de um caso mais grave, já que estávamos perante um acto ilegal e inconstitucional, o Presidente da República não se pronunciou, aliás, as declarações foram proferidas ontem à comunicação social, deixando para si a condução de todo este processo!?
MONTEIRO DINIZ - Bem! Para já, as duas situações são completamente diferentes. A primeira, é um diploma, é uma lei de valor reforçado, um Estatuto que lhe foi enviado para promulgar, para assinar, e na medida em que ele requereu a fiscalização preventiva ao Tribunal Constitucional, ele entendeu depois que deveria, dada a especial complexidade da situação, especialmente por causa de duas normas, porque eu na altura, houve aí uma entrevista que dei a um jornal aqui regional, que as pessoas falam, o veto, o Estatuto ataca a Autonomia, mas das sete normas que ele questionou, seis delas não tinham nada a ver com a Autonomia, têm a ver com a Constituição…
LUÍS MIGUEL FRANÇA - Mais adiante falaremos do Estatuto dos Açores…
MONTEIRO DINIZ - Muito bem! Mas agora, só em relação, comparando as duas situações… porque foi esse problema que pôs, não é?
LUÍS MIGUEL FRANÇA - Pois, exactamente. Porque é que o Presidente da República não interveio neste caso?
MONTEIRO DINIZ - Comparar! Porque no outro problema, é um problema em que ele está confrontado com o veto e com a declaração de inconstitucionalidade por parte do Tribunal, e entendeu, na decorrência do veto, do veto constitucional e da devolução, que havia uma determinada matéria que no entendimento dele colidia com as competências presidenciais, que é essencialmente a regra… havia duas normas, mas havia uma essencial, que é a regra determinativa da dissolução do Parlamento Regional. E nos termos da Constituição, há uma norma específica que diz que o Sr. Presidente da República, para dissolver o Parlamento Regional, tem de ouvir o Conselho de Estado e os partidos representados no Parlamento.
LUÍS MIGUEL FRANÇA - E no Estatuto referia-se se era necessário ouvir-se os presidentes das Assembleias?
MONTEIRO DINIZ - No Estatuto, os órgãos de governo próprio, e nomeadamente o Presidente do Governo, que tem assento no Conselho de Estado, e o Presidente da Assembleia, que pode perfeitamente integrar, na medida em que não há partidos regionais, só há partidos nacionais, pode perfeitamente integrar o grupo de deputados que se deslocam a Belém aquando da audição dos Partidos.E, portanto, ele entendeu, e sobre isto há uma certa dissonância, mas há uma maioria no sentido de entender que ele tinha razão, ele entendeu que isto colidia com uma competência presidencial, porque as competências presidenciais têm que estar estritamente definidas na Constituição…
LUIS MIGUEL FRANÇA - E daí a comunicação que foi feita ao País?
MONTEIRO DINIZ - E, portanto, ele entendeu que era abrir um precedente para situações futuras em que por lei ordinária se podia colidir com a competência presidencial. Há um exemplo aqui de paralelo, eu gostaria, sei que o tempo é limitado, mas há coisas importantes e menos importantes e há aqui um paralelismo com o próprio Estatuto da Região. O Estatuto da Região também é uma lei de valor reforçado e foi alterado por uma lei ordinária. E, portanto, o problema que se pode colocar em relação à alteração da lei ordinária, que é aquela norma do Estatuto que dizia, no Estatuto de Sousa Franco/António Guterres, que entrou em vigor em 98, que dizia que as transferências da República nunca poderiam ser inferiores às dum determinado ano, do ano imediatamente anterior. E, por lei ordinária, foi alterada essa norma do Estatuto. E, portanto, o problema pode aqui colocar-se num certo paralelismo, porque há uma lei ordinária que ataca uma lei de valor reforçado com processo de formação legislativa muito qualificado, e neste caso é uma lei ordinária que ataca uma norma constitucional.
LUIS MIGUEL FRANÇA - Em todo este processo naturalmente que conversou com o Presidente da República?
MONTEIRO DINIZ - Quatro ou cinco vezes falei com ele pelo telefone!
LUIS MIGUEL FRANÇA - E esteve também em contacto com o Presidente da Assembleia Legislativa?
MONTEIRO DINIZ - Sim. Eu desde o momento que tive conhecimento, através do Sr. Presidente da Assembleia, do que se tinha passado…
LUIS MIGUEL FRANÇA - Mas o que é que o Senhor poderia fazer numa altura em que tem poderes limitados?
MONTEIRO DINIZ - Esse é um problema… eu agora até suspendi, na medida em que eu não tive oportunidade, na altura adequada, porque também não me convidaram, se me tivessem convidado… eu estou disposto sempre a procurar contribuir, tanto quanto possível, para um conhecimento da Região, dos enquadramentos normativos e constitucionais, como funciona o sistema organizador da Região, porque deixe-me dizer que agora neste (eu tenho aqui uns papéis, mas nem vale a pena estar aqui a mexer, eu posso dizer) neste enquadramento dos acontecimentos que vêm ocorrendo aqui na Região desde quinta-feira, eu tive a oportunidade de ouvir as maiores barbaridades, os maiores desconhecimentos, uma ignorância crassa total sobre como funciona o sistema organizatório regional, a pessoas qualificadas. Por exemplo, houve um Senhor…
LUIS MIGUEL FRANÇA - Constitucionalistas? Não!
MONTEIRO DINIZ - Próximos dessa área! Próximos dessa área! Eu não quero estar a citar nomes…
LUIS MIGUEL FRANÇA - Naturalmente!
MONTEIRO DINIZ - …mas, por exemplo, há uma pessoa que diz que fui eu que mandei… e tem uma diatribe numa rádio, e eu depois respondi-lhe, com uma diatribe talvez de valor reforçado, para usar…
LUIS MIGUEL FRANÇA - “…fui eu que mandei…”? Pode concluir a frase para percebermos!
MONTEIRO DINIZ - Não foi o Sr. jornalista que fez isso, alguém em Lisboa
LUIS MIGUEL FRANÇA - Sim, eu sei. Mas “…fui eu que mandei…” fazer o quê?
MONTEIRO DINIZ - Um momento, vou já dizer. Eu sou uma pessoa transparente e frontal. Não tenha receio que não lhe responda. Por vezes até respondo para além daquilo que devia responder.
LUIS MIGUEL FRANÇA - Isso é óptimo!
MONTEIRO DINIZ - Talvez para vós, para mim talvez não! Mas eu não tenho nada…
LUIS MIGUEL FRANÇA - Então tem que ser mais comedido. Mas hoje esteja à vontade!
MONTEIRO DINIZ - Não, eu não tenho nada a perder. Eu, na situação em que estou na vida, não tenho nada, nem a ganhar, nem a perder e, portanto, apresento-me com toda a frontalidade, com toda a isenção e com todo o rigor dos princípios. Mas houve alguém, com responsabilidades políticas em Lisboa, que disse que tinha sido eu que, de alguma maneira, tinha interferido com a Polícia de Segurança Pública para ela impedir a entrada do Sr. Deputado no Parlamento.Quer dizer, isto é uma autêntica barbaridade e eu tive a oportunidade de dizer que esse senhor nem sequer conhecia a Constituição, operada pela revisão de 2004, desde logo porque, a partir desse momento, uma competência, uma vaga competência de superintendência administrativa tinha desaparecido e eu não tenho qualquer controlo hoje sobre as forças de segurança, aliás, o Sr. Ministro da Administração Interna telefonou-me nesse mesmo dia a perguntar, porque apesar de eu não ter competências, vem junto de mim para saber determinadas indicações teóricas e informações de alguém que está aqui, que acompanha, embora à distância, o que é que se tinha passado. E eu disse-lhe o que se tinha passado, porque ele estava preocupado, porque a Polícia de Segurança Pública depende apenas e tão só do Comandante Regional e do próprio Ministro da Administração Interna.Pois foi feita essa afirmação, como foi também outra, no sentido de dizer que eu porventura estaria a sobrepor-me ao Sr. Presidente da República.Bem! Isto é uma afirmação… eu na altura disse e adjectivei, mas agora não quero repetir, mas é evidente que aquilo que faço, com a relação especial que tenho neste momento com o Presidente da República, porque a partir da revisão de 2004 o Representante da República depende apenas e tão só do Presidente, o Ministro da República era nomeado pelo Presidente, sob proposta do Governo, neste momento o Representante da República é aquilo a que se chama “o Homem do Presidente”, para utilizar a linguagem americana, porque é nomeado pelo Presidente e depende apenas e tão só do Presidente da República.
LUIS MIGUEL FRANÇA - E representa a República na Madeira e nos Açores! Conselheiro Monteiro Dinis…
MONTEIRO DINIZ - Mas em relação (e para acabar o pensamento), quando se diz que me sobreponho ao Presidente, isso revela uma ignorância crassa de como o sistema funciona, porque o Sr. Presidente da República está informado permanentemente…
LUIS MIGUEL FRANÇA - Mas o Presidente da República não quis passar despercebido em todo este processo?
MONTEIRO DINIZ - Bem! Isso tinha que perguntar a ele. Agora, o que eu quero dizer é que, desde o primeiro momento o Sr. Presidente foi informado…
LUIS MIGUEL FRANÇA - Se está despido de poderes, como é que iria resolver o problema?
MONTEIRO DINIZ - Eu já vou falar sobre isso, se me deixar.…o Sr. Presidente foi informado de tudo o que se passou, de todos os documentos, de todos os requerimentos, de todos os jornais, de todas as transcrições, papeis que lhe mandei, para ele poder decidir de harmonia com os factos, que é uma coisa que por vezes se faz, em que as pessoas opinam, dizem e fazem, sem o conhecimento da realidade material…
LUIS MIGUEL FRANÇA - Vital Moreira falou na conspiração do silêncio entre Cavaco Silva e Alberto João Jardim!
MONTEIRO DINIZ - Bem, eu sou amigo, conheço bem, posso dizer que sou amigo do Dr. Vital Moreira, estive com ele 8 ou 9 anos no Tribunal Constitucional, é um constitucionalista de grande mérito, dos 3 ou 4 que há no País, porque há para aí muitos que se intitulam de constitucionalistas, mas não são, não são em termos de suficiente perfil e suporte académico, o Dr. Vital Moreira é um constitucionalista, juntamente com o amigo e companheiro dele…
LUIS MIGUEL FRANÇA - É um constitucionalista reconhecido!
MONTEIRO DINIZ - …o Canotilho, os dois constituem na Escola de Coimbra o top do constitucionalismo nacional, como em Lisboa de alguma maneira o Dr. Jorge Miranda, mas o Dr. Vital Moreira escreveu um artigo, que eu tive a oportunidade de ler, e até lhe dei uma pequena resposta, mas em que não tinha o domínio completo da realidade material, nem dos factos concretos. Quando ele diz que eu fui infeliz por dizer que a normalidade democrática estava reposta, eu não disse isso assim, foi quando os senhores foram, também a televisão, ao Palácio de São Lourenço, depois até levavam jornalistas, que eu não tinha ainda a segunda deliberação tomada pela Assembleia Legislativa, eu passei os olhos pelo requerimento que me tinham dito que tinha sido aprovado e eu disse: Bem! Se é assim, o que está aqui, “regressa a normalidade democrática, regressa às comissões, o Deputado pode entrar na Assembleia, pode ir às comissões a que pertence (se é que pertence a alguma, parece que pertence a uma)”, portanto, há aqui um retorno à normalidade, condicionado (e isso é que foi cortado, porque é uma coisa que sucede aqui com muita frequência, é que sou censurado por uma série de entidades.
LUIS MIGUEL FRANÇA - Conselheiro Monteiro Dinis, acha que o Parlamento Regional funciona de acordo com as regras democráticas?
MONTEIRO DINIZ - Bem! O Parlamento Regional, como aliás todos os parlamentos, está um pouco dependente da qualidade dos deputados que se integram nele próprio. De harmonia com as estruturas… Não sei se está a reportar-se ao Regimento, concretamente, ou às pessoas, à maneira como se comportam…
LUIS MIGUEL FRANÇA - Ao Regimento e ao Estatuto. É um Parlamento, por exemplo, que não tem eleito um Vice-Presidente da oposição.
MONTEIRO DINIZ - Sim, eu acho isso lamentável, se quer que lhe diga eu acho…
LUIS MIGUEL FRANÇA - É um Parlamento que não fiscaliza o Governo, as comissões de inquérito e as comissões eventuais são sucessivamente chumbadas pelo PSD…
MONTEIRO DINIZ - Perfeitamente, eu conheço isso, porque leio os Diários da Assembleia.
LUIS MIGUEL FRANÇA - …é um Parlamento onde a esquerda e a direita estão em sítios contrários…
MONTEIRO DINIZ - Sim! Isso, são problemas, são talvez especificidades madeirenses. Mas agora, o que eu quero dizer, o que eu quero significar…
LUIS MIGUEL FRANÇA - Não, é uma Democracia sui generis!
MONTEIRO DINIZ - A democracia não pode ser aviltada assim com uma linguagem geral, agora, um comportamento democrático…
LUIS MIGUEL FRANÇA - Conselheiro Monteiro Dinis, mas se existem todas estas violações que reconhece…
MONTEIRO DINIZ - Não, ainda não reconheci…
LUIS MIGUEL FRANÇA - …não foi eleito um Vice-Presidente da oposição…
MONTEIRO DINIZ - Se me permitir, deixe-me falar então, se faz favor, porque há comportamentos que podem ser não democráticos, mas isso não significa… houve há dias uma colega sua quando lá foi que disse: Hoje em dia não há democracia na Madeira! E eu não digo assim, o que há é, determinados comportamentos que não são democráticos, que existem em toda a parte, aqui porventura com mais frequência, mas isso não significa que a Madeira não esteja inserida num estado de direito democrático, que as eleições não tenham conteúdo democrático, as eleições para os órgãos de governo próprio, e que não haja um funcionamento enquadrado nos valores da democracia. Agora, há depois comportamentos, esses que citou… por exemplo, esse caso do Vice-Presidente. Na legislatura anterior havia um Vice-Presidente; agora não é eleito Vice-Presidente, por determinadas razões que me foram explicadas. Eu acho pessoalmente, e já tive oportunidade de o transmitir, que seria urgente, e era um sinal de afirmação democrática, que esse Vice-Presidente fosse eleito, o Vice-Presidente que falta, o tal terceiro vice-presidente, que, tanto quanto eu sei, foi aquando da aprovação de uma resolução sobre a revisão constitucional em 2004, que terá havido um entendimento entre os partidos, no sentido de que de futuro passava a haver três vice-presidentes, dois seriam da maioria e um seria do partido da oposição mais votado.
LUIS MIGUEL FRANÇA - Aliás, isso é uma matéria estatutária!
MONTEIRO DINIZ - Consequentemente, eu não vejo razão nenhuma, e acho, e até utilizo a palavra, lamentável, que o vice-presidente, o tal terceiro vice-presidente não seja eleito. Não percebo porquê, não percebo. Quanto ao problema lá da colocação no Hemiciclo, ou à esquerda, ou à direita, isso é um problema de somenos importância, embora possa ter algum significado específico.
LUIS MIGUEL FRANÇA - E em relação à fiscalização da Assembleia?
MONTEIRO DINIZ - Em relação ao Governo, eu também tenho dito (isto agora até parece que estou a publicitá-las, porventura haverá pessoas que nem gostem que eu publicite, mas eu publicito), eu tenho, por várias vezes, quando me encontro com os Srs. Secretários, por exemplo, e até com o Sr. Presidente do Governo, eu tenho dito que quando vejo os diplomas, o debate, e muitas vezes a oposição a suscitar a questão da ausência do representante do partido, ou do Governo, melhor, em relação ao diploma em apreço, que eu acho que seria, a todos os títulos, vantajoso, para a imagem do Parlamento, para a imagem da Democracia na Madeira, que o Governo acompanhasse de perto os debates no Parlamento, como por exemplo na Assembleia da República há o Ministro dos Assuntos Parlamentares, mesmo que não vão os Ministros da tutela, está o Ministro dos Assuntos Parlamentares para procurar, de alguma maneira, responder a questões que o Parlamento coloque.
LUIS MIGUEL FRANÇA - E existem os debates quinzenais?!
MONTEIRO DINIZ - E aqui acho que seria desejável também. E é isto o máximo que lhe posso dizer, porque eu não posso…
LUIS MIGUEL FRANÇA - Na Madeira, por exemplo, o Governo vai uma vez ao Parlamento por ano.
MONTEIRO DINIZ - Esse é outro problema que eu também, pessoalmente, não acho bem. Agora, eu não tenho competências, não tenho competências de harmonia com o novo Estatuto (porque o representante foi um projecto, um projecto que eu elaborei a pedido do Sr. Presidente) e neste momento, e daí aquele equívoco do tal político de Lisboa ao dizer que eu mandei a polícia, porque ele certamente não conhece o Estatuto, nem conhece o quadro constitucional, mas o meu tipo de intervenção ao nível da Região, para além da fiscalização do sistema legislativo, e essa faço eu, absolutamente, eu e só eu e mais ninguém, porque não admitiria que ninguém se intrometesse nesta área, nem o Sr. Presidente da República nunca procuraria fazer isso, e isso foi uma questão que eu coloquei logo de início quando resolvi continuar devido a razões muito específicas que um dia hei-de explicar publicamente se quiserem ouvir, agora, independentemente disso, a minha competência, para além de pertencer aos conselhos superiores de segurança e defesa, é uma competência aqui que é mais no sentido de uma tentativa de influenciação pedagógica, de influenciação cultural, do que propriamente num quadro normativo específico que me dê competências para mandar na GNR, ou na PSP, ou para poder corrigir situações de natureza política, porque eu nem sequer tenho competência, penso que isso foi ontem aqui debatido, segundo há bocado ouvi dizer alguém…
LUIS MIGUEL FRANÇA - Foi noutro programa de debate político com o Dr. Ricardo Vieira e o Dr. Fernão Freitas.
MONTEIRO DINIZ - …de eu poder enviar mensagens à Assembleia. Não posso, manifestamente, a única entidade que pode enviar mensagens à Assembleia Legislativa é o Sr. Presidente da República. Ele no fundo tem duas competências, que é: dissolução da Assembleia; ou envio de mensagens. Mas como sabem, as mensagens têm um conteúdo muito relativo e têm um alcance e um significado também muito relativo. Neste caso houve uma série de partidos que reclamaram que ele enviasse uma mensagem. Para já, penso que foi uma má política, porque, depois de estarem a pedir para ele enviar a mensagem, ele certamente não ia enviar a mensagem a pedido dos partidos que insistiam nesse sentido…
LUIS MIGUEL FRANÇA - E aliás, houve um partido inclusivamente que recusou a existência de intermediários, ou seja, o Senhor nem sequer deveria estar neste processo.
MONTEIRO DINIZ - Olhe! Eu podia, porque conheço muito bem a qualidade cultural, intelectual, técnica, jurídica dos Srs. Deputados todos, todos, porque eu observo, vejo e sei, mas eu não sou de maneira nenhuma desprimoroso, nem quero ser descortês para ninguém, porque isso revela acima de tudo uma descortesia, eu sei quem são as pessoas que produziram essas afirmações por interposta pessoa, mas isso revela desde logo uma ignorância crassa, repito a palavra que apliquei ao tal político de Lisboa, revela uma ignorância crassa e uma desconsideração total e absoluta, quando foi a própria Assembleia Legislativa, antes da revisão de 2004, que propôs a extinção do cargo de Ministro da República e a criação deste cargo com este conteúdo competencial. E qual é o conteúdo competencial? É alguém que está aqui, como o Sr. Presidente diz, e bem, que representa a República, que o informa, que lhe transmite sensibilidades e que, em função de tudo isto, ele depois actuará de harmonia com as tais competência finais, globais que ele tem e que eu não tenho. Eu não posso dissolver a Assembleia, nem posso enviar mensagens, mas há muitas maneiras de enviar mensagens e os Srs. Deputados sabem isso, o que tem é que eles dizem isso, desconsiderando o cargo com um determinado objectivo político, que eu me abstenho de classificar.
LUIS MIGUEL FRANÇA - ... O Presidente da Assembleia Legislativa quer ter mais poderes, no sentido de ter a capacidade de suspender os deputados que tenham comportamentos como este do Deputado José Manuel Coelho. Ora, isso actualmente é inconstitucional, mas hoje, em declarações ao Diário de Notícias, se não estou em erro, o Conselheiro Monteiro Dinis dizia que isso acontece inclusivamente em algumas regiões. A questão que eu coloco é a seguinte: acredita que isso seria viável? Acredita que a maioria respeitaria a minoria parlamentar neste quadro, nesta contextualização que o Senhor falava há pouco?
MONTEIRO DINIZ - Bem, isso é uma outra pergunta especulativa que eu não lhe posso responder. Posso responder com uma sensibilidade, com uma impressão, com uma ideia, agora, aquilo que começou por dizer é exacto, há diversos parlamentos, olhe!, em Espanha, na França, na Itália, no Parlamento Europeu, há uma série de parlamentos… a nossa lei, fruto um pouco do 25 de Abril e de todo aquele radicalismo que se seguiu, tem uma contextualidade normativa que cria a irresponsabilidade dos deputados em matéria criminal, civil e disciplinar…
LUIS MIGUEL FRANÇA - Mas esses parlamentos certamente estarão situados em regiões com uma vertente menos lúdica!?
MONTEIRO DINIZ - Pois! Têm uma cultura diferente, não é só lúdica, é uma cultura cívica, porque o problema, mesmo ao nível do Continente, o problema é de civismo, é de cidadania, é de cultura, é de qualidade da cidadania, porque o homem é homem e só depois é que é cidadão e há uma diferença profunda entre o homem e o cidadão. O homem é o indivíduo integrado numa estrutura familiar, que procura defender os valores directos da família e as suas realizações individuais; o cidadão já é um valor acrescido, que na sociedade romana tinha uma caracterização muito especial, em que o membro integrativo da CIVITAS já fazia parte do negócio colectivo da própria República. E esses países que citei, a França, a Alemanha, a Dinamarca
LUIS MIGUEL FRANÇA - E a Itália.
MONTEIRO DINIZ - …a Itália, e até a Espanha, têm uma estrutura normativa regulamentar ao nível, não do funcionamento da suspensão em função da irresponsabilidade da comissão de crimes dolosos, sob pena máxima superior a 3 anos, em que em determinados comportamentos reiterados, de abuso, de ofensividade, de conflitualidade, de perda de funcionamento do sistema, os Presidentes do Parlamento e depois, às vezes, com ou sem recurso ao Parlamento no seu Plenário, podem aplicar ao deputado em causa sanções que podem até passar pela própria suspensão por períodos relativamente alargados, agora, de harmonia com o quadro constitucional português, que é o artigo 157.º da Constituição, que depois se projecta na Assembleia da República e nas Assembleias Legislativas, essa matéria hoje, ao nível da suspensão do mandato e da perda do mandato, não pode realizar-se, a não ser nos termos específicos da Constituição. É duvidoso, é duvidoso que possa ser atribuído aos Presidentes dos Parlamentos, quer da Assembleia da República, onde o problema nunca se pôs, quer dos Parlamentos Regionais, determinadas medidas limitativas, não dentro do instituto, nem da suspensão, nem na perda do mandato, porque esses estão obrigatoriamente sujeitos à Constituição, duma determinada censura que se possa traduzir até numa suspensão por um pequeno espaço de tempo do exercício de determinadas faculdades. Isso está previsto em todos estes países.
LUIS MIGUEL FRANÇA - Conselheiro Monteiro Dinis, gostava de colocar-lhe uma questão que surge na sequência de várias dúvidas que foram levantadas por várias pessoas da sociedade civil e também dalguns quadrantes da vida política regional. O Deputado José Manuel Coelho foi suspenso numa sessão plenária, foi sujeita a votação a proposta do PSD, foi aprovada e o Deputado foi suspenso. Como já vimos, foi uma decisão ilegal e inconstitucional, e posteriormente essa decisão é revogada na reunião de líderes. Estamos perante um acto legal?
MONTEIRO DINIZ - Eu pessoalmente entendo que, quer no plano jurídico-normativo, no plano jurídico-estatutário, no plano jurídico-constitucional até, porque isto projecta-se depois até à Constituição, quer até num plano de boa prática política, o Plenário deveria, numa próxima sessão plenária…
LUIS MIGUEL FRANÇA - Amanhã!?
MONTEIRO DINIZ - ...Amanhã, revogar a decisão anterior, porque é evidente que há uma revogação implícita, poder-se-á interpretar que houve uma revogação implícita, pelo menos parcial, na deliberação tomada…
LUIS MIGUEL FRANÇA - Na reunião de líderes!
MONTEIRO DINIZ - Não! Anteriormente!
LUIS MIGUEL FRANÇA - Na sessão plenária?
MONTEIRO DINIZ - Numa deliberação que foi tomada anteriormente, já na semana passada. E agora penso que a reunião de líderes, eu não sei o que decidiram, porque eu não vi documento nenhum, mas, para além da reunião de líderes, eu penso que para uma reposição integral duma normalidade absoluta, porque é a tal normalidade que eu condicionei à realização dos plenários, deveria o Plenário revogar, anular, qualquer destas terminologias serve neste caso específico, a suspensão, voltando a entregar ao deputado que foi ilegalmente suspenso a plenitude dos seus direitos, quer ao nível da comissão, quer ao nível da frequência das instalações do Parlamento, quer ao nível da intervenção no Plenário. Dessa maneira havia uma rigorosa reposição integral no plano jurídico-formal, porque assim pode haver no plano político, mas no plano jurídico-formal essa era a maneira mais rigorosa e adequada de estabelecer a normalidade efectiva.
LUIS MIGUEL FRANÇA - Conselheiro Monteiro Dinis, pedia-lhe, se ivesse essa disponibilidade, que deixasse um conselho aos deputados da Assembleia Legislativa, dada a sua experiência enquanto constitucionalista e enquanto homem que está ligado à vida política nos últimos anos…
MONTEIRO DINIZ - Que leio os Diários da Assembleia!
LUIS MIGUEL FRANÇA - …que lê os Diários da Assembleia, que muitas vezes não tem a melhor impressão sobre o trabalho legislativo e os comportamentos que são produzidos na Assembleia Legislativa, que tipo de conselho deixaria aos deputados da maioria e da oposição?
MONTEIRO DINIZ - Quem sou eu para dar conselhos aos Srs. Deputados do Parlamento?
LUIS MIGUEL FRANÇA - Mas sou eu que lhe estou a pedir!
MONTEIRO DINIZ - Mas já que coloca o problema, e com toda a modéstia democrática que me caracteriza e com toda a humildade democrática que me caracteriza também, penso então que colocaria a resposta em dois planos: Uma, era que estudassem melhor os dossiers, que vissem com rigor, porque há muitas propostas que são enviadas pelo Governo, há outros projectos que nascem, são oriundos da própria Assembleia, mas eu penso que haveria a necessidade de um trabalho no plano das comissões, no plano técnico, porque isso depois nota-se ao nível das intervenções que têm aquando do debate dos diplomas e que muitas vezes é um debate que não tem um conteúdo suficientemente sólido em relação a questões técnicas, que algumas, admito, são complexas, mas por exemplo, eu vou-lhe dar um exemplo. Há tempos vetei um diploma sobre o ordenamento do território, que é um diploma de grande complexidade, tem os planos de pormenor, os planos directores municipais, os planos de urbanização, os planos intermunicipais, é uma matéria que exige e que me exigiu a mim, porque é uma matéria que não é propriamente a minha área específica, muitas horas de leitura e eu tive a oportunidade de ler os trabalhos, e eu não quero adjectivar o tipo de intervenções que se verificaram, mas dá ideia que os Srs. Deputados…
LUIS MIGUEL FRANÇA - Essas intervenções são, tanto da maioria, como da oposição?
MONTEIRO DINIZ - Sim, sim!
LUIS MIGUEL FRANÇA - É generalizada?
MONTEIRO DINIZ - Sim, mas em regra a maioria está mais protegida, porque tem as propostas do Governo…
LUIS MIGUEL FRANÇA - Mas não existem algumas excepções?
MONTEIRO DINIZ - Eu não quero estar, nem a nomear pessoas, nem a estabelecer excepções, porque isso era impedimento…
LUIS MIGUEL FRANÇA - Nem eu estou a pedir que faça isso. Eu só estou a perguntar se não existem algumas excepções?
MONTEIRO DINIZ - Sim, sim, é claro que há deputados e deputados, há uns que têm mais qualidade em todos os partidos, que é visível, e que têm até um comportamento mais interventivo e mais conhecedor. E, portanto, a primeira questão é esta.
LUIS MIGUEL FRANÇA - E a outra é ao nível do comportamento!?
MONTEIRO DINIZ - É isso que eu vou dizer. A primeira, é no plano técnico, do estudo, da investigação. Eu admito, e aí também é outra questão que eu lhe poderia falar longamente, que tem a ver com o chamado “jackpot”, que eu vetei na altura, o Tribunal Constitucional, num acórdão lamentável, não atendeu o meu requerimento e o resultado foi aquilo que se viu e que se está a ver. Porquê? Porque, com base… e isso tem a ver com o grupo parlamentar. É que os grupos parlamentares podiam ter uma especificidade técnica de auxílio, de apoio, que eles também não têm, isso eu reconheço, os grupos parlamentares e os deputados, quem é que os apoia? Os da maioria, ainda se pode dizer que são os gabinetes…
LUIS MIGUEL FRANÇA - Têm gabinetes jurídicos!
MONTEIRO DINIZ - …dos Secretários. Bem! Que valem o que valem!
LUIS MIGUEL FRANÇA - Ou pelo menos assessores jurídicos! Presumo eu.
MONTEIRO DINIZ - Pois, mas é que esse é que é o problema, é saber em que medida e até que ponto é que isso lhes dá a informação necessária e suficiente para terem intervenções qualificadas. Isto no plano técnico.
LUIS MIGUEL FRANÇA - Então, vamos ao conselho a nível do comportamento.
MONTEIRO DINIZ - Depois, no plano comportamental, que é uma coisa que às vezes eles passam por lá e eu falo com eles, com os partidos todos, muitas vezes pedem-me determinados elementos informativos, que eu cedo a todos, mas havia necessidade depois de se colocarem num plano de cidadania, aquilo que eu há bocado dizia, comportarem-se como cidadãos e não como homens, porque cidadãos são aqueles que são portadores já de um sentido superior da realização do bem público e da rés pública, enquanto que o homem comporta-se no plano da sua actividade primária, da família directa, do enquadramento de interesses pessoais propriamente, disciplinado por regras de orientação específica, enquanto que o cidadão já tem que ter um sentido superior. E no momento em que um deputado é eleito é um procurador dos povos, como se utilizava no século XIX, ele é investido numa qualidade superior, e daí que tenha estes direitos especiais, de irresponsabilidade criminal, disciplinar, civil e que tenha um estatuto privilegiado em relação ao geral da população, nomeadamente ao nível da administração pública.E, portanto, comportamento de harmonia com as altas funções que exercem, que são representantes do povo da Madeira, com ou sem críticas da população, são eles, os 47 deputados, que representam a Madeira toda, é o órgão principal da Região Autónoma, dos órgãos de governo é o Parlamento, nem é o Governo e, por outro lado, uma preparação técnica, um estudo, uma investigação, uma reflexão sobre as questões e um aconselhamento junto dos gabinetes, que se não têm, devem criar, com base nas tais subsidiações aos grupos parlamentares, para poderem intervir criticamente quando entenderem nos diplomas do Governo e para eles próprios apresentarem projectos em nome desses partidos que depois, e agora aí é outra questão, a maioria deve ter em conta, dentro de uma harmonia de funcionamento do sistema, porque também não se pode dizer… há dias em Lisboa ouvi a líder do PSD, a Dra. Manuela Ferreira Leite, dizer, que todos os projectos, tudo o que apresenta o PSD, que é tudo reprovado, que o PS não quer saber de nada; e aqui também tenho ouvido dizer que o funcionamento é mais ou menos similar, pelo menos eles dizem isso, os Srs. Deputados, quando falam nomeadamente no Diário da Assembleia. E, portanto, para o funcionamento ser harmónico, construtivo, haver uma dialéctica entre a tese e a antítese em ordem de atingir sínteses, era necessário que isto funcionasse assim. Agora, isto é pedir porventura algo de utópico. Estamos no reino da utopia de Tomás More. (entrevista realizada na RTP da Madeira em 12 e Novembro de 2008)

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