sexta-feira, junho 27, 2008

Catalunha (III)

Cria-se, portanto, a comunidade autónoma como uma entidade territorial que, dentro do ordenamento territorial constitucional do Estado espanhol, está dotada de autonomia legislativa e competências executivas. O princípio da unidade aparece como o outro lado da moeda, como um escudo diante de processos de confederação e independência, e na prática, mais além, como uma tutela permanente da autonomia das regiões.
(…)
O Estado espanhol está cheio de contradições e paradoxos, e, o que impossível quando quem reivindica é Catalunha, não é para outras regiões. Como exemplo temos o sistema de financiamento, onde o regime comum (de carácter centralista) convive com o sistema económico do País Basco e de Navarra: a autonomia financeira plena.

AUTONOMIA POLÍTICA NA ACTUAL DEMOCRACIA. PERÍODO DE 1977 A 2003
No ano de 1977 se restabelece a Generalitat provisória; se permite o retorno do exílio do presidente Tarradellas, sua nomeação “formal” como presidente, a constituição de um governo provisório para preparar um estatuto de autonomia e as eleições para o parlamento da Catalunha. A partir do modelo republicano, elabora-se um estatuto que foi aprovado pelos catalães num referendo e ratificado pelas Cortes Generales em Novembro de 1979. A lei orgânica do Estatuto de Autonomia define as instituições catalãs —agrupadas na Generalitat—, as competências e as relações com o Estado espanhol. O Estatuto de 1979 definia Catalunha como uma nacionalidade, que, para aceder ao auto-governo, se constituía em uma comunidade autónoma, e configurava a Generalitat como a instituição que organizava politicamente o auto-governo. Estabelecia que a Generalitat está integrada pelo Parlamento, o presidente da Generalitat e o Conselho Executivo. O Parlamento, eleito por um período de quatro anos por sufrágio universal e de acordo com um sistema de representação proporcional, representa o povo de Catalunha e exerce o domínio legislativo, aprova o orçamento e fomenta e controla a acção política e governamental. Por outra parte, o Estatuto determina que o catalão é a língua própria da Catalunha, e, junto com o castelhano, o idioma oficial do Principado. Entre outras questões, também estabelecia que o direito catalão se aplica sobre qualquer outro, dentro do território de Catalunha; que a Generalitat pode estabelecer convénios e acordos de cooperação com outras comunidades autónomas; e que com o acordo do Estado se possa criar e manter uma polícia autonómica, bem como uma imprensa, rádio e televisão próprias.
PROCESSO DE REFORMA DO ESTATUTO (2004-2005)
A elaboração de um novo Estatuto respondia a um contexto histórico de mudanças, de novas realidades; era necessário ir mais além de uma simples adaptação do texto anterior. As razões de fundo podem ser sintetizadas em:
1) Financiamento. A necessidade de por fim à opacidade do sistema actual e ao deficit fiscal da Catalunha com o Estado.
Alguns cálculos feitos por economistas de prestígio e de diferentes convicções ideológicas, a respeito dos dados do ano de 2005, sustentam que o deficit fiscal da Catalunha (a parte que o Estado arrecada a Catalunha e que não devolve nem em serviços nem em investimentos do Estado) é de 18.000 milhões de euros anuais, ou seja, 2,622 euros por pessoa e por ano. O que é mesmo, 10,2% do PIB da Catalunha.
2) Competências. O travão ao progresso e ao desenvolvimento do país devido à falta de auto-governo.
Adiam-se projectos e tomadas de decisões que são urgentes para Catalunha, mas que o Estado não considera prioritários, e é o Estado quem tem poder de decisão. O colapso das infra-estruturas de transporte em Catalunha, fruto do abandono de investimentos por parte do Estado, ou a subordinação do aeroporto de Barcelona aos interesses do aeroporto de Madrid, são dois exemplos disto.Ainda assim, neste ponto também há que incluir o facto de que havia um “pecado original” no anterior Estatuto, que não “brindou” as competências, tendo sido estas progressivamente cortadas pelo Estado a partir de leis “harmonizadoras” promovidas pelo Governo do Estado, e que é em parte fonte permanente de conflitos de competência frente ao Tribunal Constitucional.
3) Redefinir “o encaixe”, o status da Catalunha, o tipo e interlocução com o Estado e a própria presença na EU. Adaptar a realidade da Catalunha nação a um Estado que fosse descentralizado, não só administrativamente, como também em questões de poder e capacidade de decisão, por tanto, também financeiramente. Ou seja, normalizar administrativamente e juridicamente a realidade social plural em que vivemos, tanto em relação a Catalunha como ao Estado espanhol. A globalização, a revolução das tecnologias de comunicação e informação, as novas ondas migratórias fizeram do mundo, da Europa, da Catalunha, uma nova realidade, diferente da que existia até poucos anos atrás. Novas realidades, novos desafios: se necessitam novos instrumentos para exercer com eficácia a autonomia política.
Iniciou-se assim o difícil processo de tentar adaptar-se à nova realidade o limite institucional e competente catalão, e o sistema de financiamento, sem sair do limite estatal existente.O primeiro passo era colocarmos em acordo as forças políticas catalãs, num contexto de marcada pluralidade do Parlamento de Catalunha. Foi difícil, mas surgiu um texto que se efectivou com o consenso de 120 dos 135 deputados e deputadas do Parlamento, ou seja, 90% da Câmara Legislativa da Catalunha.
Do texto resultante, referendado pelo povo da Catalunha, são inegáveis os avanços.
Temos como exemplo:
a. Incorpora responsabilidades sobre imigração e tecnologias da informação.
b. Estabelece alguns mecanismos de participação da Catalunha na União Europeia.
c. Amplia os direitos sociais, laborais, ambientais, civis, linguísticos, políticos e administrativos das pessoas que vivem na Catalunha.
d. Da garantias de que durante 7 anos o Estado investirá na Catalunha, tanto como Catalunha contribui para a riqueza da Espanha.
e. Cria a Agência Tributária da Catalunha para gerir todos os impostos próprios da Generalitat e os estatais cedidos total ou parcialmente.
Com tudo, a sensação foi de que o texto pactuado e aprovado nas Cortes do Estado deixava a meio caminho os objectivos estabelecidos que davam sentido a reforma (continua)

Sem comentários: