sexta-feira, junho 27, 2008

Catalunha (II)


“A AUTONOMIA POLITICA DE CATALUNHA"

Da conferencia proferida ontem no Funchal pelo Presidente do Parlamento da Catalunha, Ernest Benach, retive algumas ideias:
ANTECEDENTES HISTÓRICOS
Tal como reconhece o preâmbulo do actual Estatuto de Autonomia, “o povo da Catalunha manteve ao longo dos séculos uma vocação constante de auto-governo”, reflectida em instituições próprias e em um ordenamento jurídico específico, recompilado, entre outras recompilações de normas, nas “CONSTITUIÇÕES E OUTROS DIREITOS DE CATALUNHA”. Aquelas assembleias desenvolveram-se até que em 1214 passaram a denominar-se Cortes Gerais, que estabeleceram o sistema de soberania pactuada, próprio do direito constitucional catalã medieval e moderno.
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Entretanto, o verdadeiro ponto de inflexão da história de Catalunha tem lugar em 1714. Na guerra de sucessão, Catalunha apoia maioritariamente os habsburgos. O Tratado de Utrecht põe fim a guerra no âmbito europeu, mas mantém-se um foco de conflito: Catalunha contra as tropas borbónicas da França e da Espanha. Em 11 de Setembro de 1714, depois de um cerco à Barcelona por mais de um ano, finalmente a cidade cai em mãos de Felipe V. Milhares de mortos, destruição de parte da cidade para construir a fortaleza repressora, a Ciutadella; perseguição da língua, perda de liberdades, abolição das instituições de governo.
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No século XIX e a princípios do século XX, junto com um forte desenvolvimento económico, Catalunha gerou uma explosão de pensamento cultural e político, o chamado renascimento (renaixença). Espalharam-se por todo o país a vontade nacional, o ideal federalista e os valores republicanos. O processo de recuperação de autonomia política começou a intuir-se imparável. A oportunidade legal chega em 1913. Um decreto do estado permitiu o mancomunado das provinciais espanholas para atender a necessidades administrativas compartidas. A possibilidade, que só foi aproveitada pelas províncias catalãs, permitiu que aflorassem novamente a entidade política de Catalunha dentro do Estado espanhol.
A RECUPERAÇÃO DA AUTONOMIA POLÍTICA. A GENERALITAT REPUBLICANA
Assim, em 1931, a vitória das opções republicanas nas eleições municipais provoca uma mudança de regime. Francesc Macià, líder da ERC, força ganhadora daquelas eleições no território catalã, precipita os factos ao proclamar o Estado Catalão integrado na Federação das Repúblicas Ibéricas, e a formação do governo da República Catalã. Acalmada a euforia do momento, Macià sabe que tem que negociar com o governo da república espanhola e acaba pactuando o restabelecimento da Generalitat de Catalunha, com um novo marco da autonomia política dentro do Estado espanhol, que se concretizou em um Estatuto de autonomia (…) O texto tinha que ser ratificado pelas Cortes da república espanhola, mas o que gerou foi um longo processo de discussão. As pressões centralistas foram fortes, incluindo campanhas sociais contra os produtos catalães. O texto foi discutido durante mais de um ano. Substancialmente recortado, eliminou-se, entre outras coisas, o carácter federal do projecto estatutário inicial e as competências executivas. O estatuto de Autonomia da Catalunha foi aprovado pelas Cortes em 1932. Um dos pontos-chave, que ia condicionar gravemente o funcionamento da Generalitat republicana, foi o do financiamento. O texto inicial propunha assumir a arrecadação de todos os impostos directos. Afinal, somente uma pequena parte dos impostos foi cedida, insuficiente para executar as políticas correspondentes às competências assumidas.
(…)
As actuais instituições democráticas de auto-governo da Generalitat não nasceram na Constituição espanhola de 1978 nem no Estatuto de 1979, a sua legitimidade vem directamente do período republicano. Não é a actual democracia constitucional quem cria nossas instituições, estas é que são formalmente “restabelecidas”; procedem directamente do período republicano. É um facto que no interior do país a identidade catalã também prosseguiram, ainda que com expressões públicas limitadas pela perseguição de uma ditadura que queria reduzi-la a um simples regionalismo. Em 1975, com a morte do ditador Franco, inicia-se um processo de transição democrática, quase ao mesmo tempo que Portugal.
A TRANSIÇAO DEMOCRÁTICA. RESTABELECIMENTO DO AUTO-GOVERNO
A transição política espanhola constitui um modelo amplamente estudado e internacionalmente analisado, inclusive converteu-se em alguns aspectos num exemplo utilizado para transições políticas em países do Leste Europeu e da América Latina. Mas aquela transição deixou grandes lacunas, que em alguns casos seguem pendentes. Entre estas, destaca-se especialmente o reconhecimento e a garantia das liberdades das diferentes nações existentes no Estado espanhol. Depois de quase 40 anos de ditadura, Catalunha (e também o País Basco e Galiza), exigiram recuperar suas instituições de auto-governo, as quais nunca haviam renunciado, e que somente haviam perdido por sucessivas imposições derivadas da força das armas. Reivindicaram o direito de auto-governo e o reconhecimento diferenciado da sua própria realidade nacional, que possuíam antes do levantamento militar, por sua vez, herdeiro de períodos históricos anteriores.
(…)
A constante reivindicação de maior auto-governo por parte do País Basco e da Catalunha demonstra que a transição não cicatrizou as feridas, somente colocou ataduras e obrigou os feridos a correrem. Passando das imagens aos factos, o modelo de Estado das autonomias ficou impresso no segundo artigo da Constituição, que ainda hoje, diz: “A constituição fundamenta-se na indissociável unidade da nação espanhola, pátria comum e indivisível de todos os espanhóis, e reconhece e garante o direito de autonomia das nacionalidades e regiões que a integram, assim como a solidariedade entre elas”. Ou seja, o Estado das autonomias se organizou sobre a base de dois pilares fundamentais: o princípio de unidade e de autonomia (continua)

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